O intérprete de Davi, na superprodução da Record TV, recorda a mudança de carreira e comenta o que aprendeu com o protagonista.
O ator principal na superprodução ‘Reis’, Cirillo Luna conta que a arte sempre esteve presente na sua vida, mas percorreu outros caminhos até decidir dedicar-se exclusivamente à teledramaturgia. Desde que assumiu o papel do soberano Davi, na quinta temporada da série, o ator já viveu muitas emoções – o primeiro desafio foi partilhar a personagem com Gabriel Vivan, que interpretou o israelita durante a juventude.
Agora, o ator acabou de estrear a sexta fase, ‘A Conquista’, enquanto grava também a sétima temporada. “Acho que ‘Reis’ consolidou essa gratidão por fazer algo que eu sempre quis”, diz Cirillo. Em breve, na oitava fase, o artista vai passar o testemunho para Petrônio Gontijo, que dará continuidade à história do grande líder de Israel.
Em conversa com o portal R7, Cirillo aborda o seu trajeto até chegar ao papel principal em ‘Reis’. Ele também revela o que aprendeu com a personagem bíblica, conhecida como o homem que “segundo o coração de Deus” é aclamado até aos dias de hoje.
Como é que a representação surgiu na tua vida, porque deixaste a Odontologia? E como concilias a vida de ator com outras atividades? Pelo Instagram, vemos que nadas, fazes cerâmica, bolos…
Eu considero-me um artista desde pequeno. Amo ver filmes, teatro, ouvir música, sempre desenhei bastante também. Só que eu morava numa cidade do interior e não tinha muitas possibilidades. A alternativa era sair da minha cidade, Macaé (Rio de Janeiro), para estudar Direito, Medicina… Lá não existia curso de teatro. Eu aprendi um pouco na escola, onde também fiz teatro e cerâmica. Quando eu saí de lá, e vim para a cidade grande, comecei realmente a frequentar mais teatros e cinemas, acabei a tirar um curso no meio da faculdade de Odontologia. Comecei realmente a entender que era isso que eu queria para a minha vida. Então, a Odontologia ficou em paralelo enquanto eu começava a tirar esses cursos. Quando acabei a faculdade, trabalhei durante mais um ano, mas eu já estava a fazer testes para publicidade e teatro. Até que eu tive uma pequena oportunidade e disse: ‘É agora que eu vou realmente dedicar-me exclusivamente a isto’. Foi mais ou menos assim a minha trajetória, até realmente decidir viver só da arte.
“Davi quer ter uma grande quantidade de filhos e esposas, para ter uma casa forte, temente a Deus, porque ele sabe que vai passar os ensinamentos aos filhos”
Imagino que as outras atividades fiquem um pouco de lado com tantas gravações.
É isso, eu sou uma pessoa muito ativa: faço natação, bicicleta, ioga, cerâmica, bolos… Mas, desde janeiro, eu não tenho feito praticamente nada. [Ando] Dos estúdios para o hotel, do hotel para os estúdios. Tenho muitas saudades de fazer tudo, mas acho que ainda vou ter de esperar pelo menos uns dois meses para poder voltar a essa rotina de atividades–extra. Quero fazer ainda mais coisas, porque acho que isso também me ajuda enquanto ator e artista… Essas atividades todas só acrescentam ao meu conteúdo interno.
‘Reis’ exige muito de ti, física e emocionalmente, não é?
Sim, agora é Davi, a vida de Davi, as suas esposas, adversários… Tudo o que gira em torno dessa personagem.
Tu assumiste o papel na quinta temporada de ‘Reis’, num momento crucial da perseguição de Saul (Carlo Porto). O que podemos esperar dele para as duas próximas temporadas?
Davi passou praticamente a temporada inteira a fugir, porque estava a ser perseguido por Saul. Já em ‘A Conquista’, ele estabeleceu-se como rei de Hebrom e faz acordos políticos, que também vão levá-lo a ter outros relacionamentos amorosos. Ele vai formar família, unificando-a e fortificando-a. Então, vemos um Davi a passar por situações mais ‘psicológicas’, por assim dizer. Ele praticamente não luta na sexta temporada. Costumo dizer que o Davi é refém dos seus conflitos internos. Há muitas conquistas, de outros territórios, de esposas, e também há muitas perdas significativas durante a temporada, tanto da família quanto das pessoas do exército. É mesmo uma fase mais psicológica, comparada à quinta temporada, que foi mais física, dinâmica, características que voltarão a estar em evidência na sétima temporada. Ao mesmo tempo, os conflitos internos também só aumentam. Então, vemos um Davi na sétima temporada a sofrer com as consequências de alguns atos dele.
Davi é um papel grandioso. O que tens aprendido com ele em todos estes meses de gravação?
Sem dúvida nenhuma, a fé. Sou uma pessoa que sempre teve muita fé, mas, depois de estudar e entender profundamente a vida de Davi, a minha fé triplicou de tamanho, porque [mesmo com] tudo o que ele passou, todos os percalços, as dificuldades, perdas, e também as coisas boas, em nenhum momento Davi questiona Deus ou perde a fé nele. Já passei por algumas situações na minha vida que me fizeram questionar Deus. ‘É isto mesmo? Porque é isso possível? Acontece comigo, eu que tenho alguma crença, pratico o bem, e eu vejo muitas pessoas que não são assim e conquistam coisas, ou não passam pelo que estou a passar’. Enfim, estas são só algumas das questões que já coloquei, e não têm grande importância, quando comparadas à vida de Davi. A minha vida é tão boa. Sempre vamos ter dificuldades, porque nós somos humanos, os problemas vão existir para todos, mas comparado ao que ele viveu e passou… Existem outras coisas que posso apontar também, a fidelidade dele com os amigos, com a família. Ele quer ter uma grande quantidade de filhos e esposas, para ter uma casa forte, temente a Deus, porque ele sabe que vai passar os ensinamentos aos filhos. São muitas aprendizagens com Davi. Até mesmo pelos erros dele, pelos pecados. Sabemos que há um grande pecado da personagem, que foi a traição com Bateseba [representada por Paloma Bernardi]. Depois de pensar muito sobre isso. Estou mais ligado a essa conexão de saber o que é bom e o que não é para mim, acho que é uma mistura disso tudo.
Em relação a Davi, foi muito bom poder construir uma personagem que começou com um ator [Gabriel Vivan], passou para mim e que, agora, vai passar para outro [Petrônio Gontijo]
Emprestas um pouco de ti, mas também levas um pouco de Davi…
É o que eu faço com todas as personagens – umas mais, outras menos -, dependendo da intensidade, do tempo do projeto. Mas em todas as personagens que fiz, sempre pensei: ‘O que este papel me pode acrescentar como ser humano’? Tanto para o lado positivo, quanto para o negativo, porque não fazemos só personagens ‘bonzinhos’, fazemos vilões também. Então, eu tento sempre, de alguma forma, trazer para a minha vida, em cada produto artístico que eu faço, tento ver o lado humano daquilo.
Lembrando um pouco o início deste desafio, tu dividiste o papel com o Gabriel Vivan. Como foi essa experiência?
Fizemos muita preparação, eu e ele juntos, logo no início, antes de começar a gravar, inclusive. Treinámos aulas de luta, tocámos harpa, passámos o texto... Começámos a criar uma simbiose entre nós, e acho que só ajudou, tanto para ele começar a fazer o Davi quanto para mim, quando peguei o testemunho dele. Foi muito bom passarmos por isso tudo juntos, porque começámos mesmo a construir isto juntos. Até a questão gestual, a maneira de nos comportarmos, de sorrirmos, a forma de falar… Então, foi tudo muito positivo. Agora, também vai haver a transição com o Petrônio [Gontijo]. Até agora, não tivemos essa preparação. Adoraria poder partilhar com ele e receber, porque eu sei que o Petrônio também já está a estudar e tem impressões da personagem. Foi tudo muito bom poder construir uma personagem que começou com um ator, passou para mim e que, agora, vai passar para outro.
Quais são os maiores desafios, tanto psicológicos/emocionais quanto técnicos, de viver um protagonista numa série com um ritmo tão intenso como este?
Em termos de dificuldade técnica, para mim, sem dúvida alguma, são as lutas. Sou um homem superpacífico, odeio violência, até fiz karaté na infância, acho que até ao cinto amarelo, e, depois, disse: “Não quero mais isto, vou fazer outros desportos”. Luta não é algo muito presente na minha vida. Claro que fizemos um treino, uma preparação, não foi nada cru quando começámos a gravar as cenas, mas confesso que tenho dificuldade. É tudo muito coreografado e preciso. Não podemos errar, porque podemos magoar-nos e magoar o outro. E obviamente que também há as dificuldades psicológicas. Por exemplo, na sétima temporada eu passo 70%, 80% da temporada a chorar. Davi chora pela perda do filho, pelo que aconteceu com Urias e Bateseba… São cenas com carga dramática muito densa, pesada, requer emoção a todo o tempo. Temos de estar muito preparados, descansados, é preciso estar muito mergulhado [na história], entender em que momento a personagem está inserida na trama, para saber que tipo de emoção é essa, se é por causa da perda ou raiva. Sem dúvida, essas dificuldades estiveram muito presentes na sétima temporada, em termos de lidar com a emoção da personagem e, consequentemente, com a minha.
Já fiz muito teatro, fiz cinema, publicidade, mas TV, fazer projetos do começo ao fim, só acontece comigo há uns três anos
Até pela questão das cenas serem gravadas fora de ordem.
Exatamente. Num dia, tive três cenas que era só a chorar, a outra, em seguida, era ele com os filhos superfeliz, a passear com os filhos. Isso também nos deixa um pouco “vamos lá, vamos ‘mudar o chip’ e alterar completamente o estado emocional”.
Quais são as diferenças que vês de outras produções que fizeste, por exemplo, no teatro e no cinema?
Sem dúvida, é o tempo. A televisão é uma indústria. Tens de ir para casa estudar e, no outro dia, gravar não sei quantas cenas. Não tens tempo, a não ser quando nos é dado um momento inicial, antes do projeto começar, quando temos uma preparação. Não temos tempo de elaborar, às vezes, mesmo até de criar, o que o cinema e o teatro permitem. Para estrear uma peça, passamos no mínimo de um mês e meio ou dois meses a ensaiar. O que me deixa apaixonado pelo teatro é exatamente isso, é o processo, pegar um texto de 40 ou 50 páginas e estudar aquilo todos os dias até à estreia. Quando começa, tu sabes tudo sobre a personagem. Claro que, depois, também descobres muita coisa enquanto interpretas, e com a resposta que o público dá. O cinema também tem um pouco esse caráter mais artesanal da arte. Para fazer cinema, tu ensaias muito antes. Então, para mim, essa é a principal diferença entre o teatro, o cinema e a TV, o facto de estarmos inseridos numa indústria que é a televisão. É a maior dificuldade, na verdade.
Em geral, o que ‘Reis’ representa na tua trajetória pessoal?
Representa tanta coisa. Em geral, aumentou a minha fé. Hoje em dia, acho que tenho um sentimento de gratidão pelo meu trabalho mil vezes maior. Sempre fui muito grato pelo que faço, porque amo [o trabalho]. Eu era dentista, troquei, nunca tive dúvidas de que realmente era a minha vocação. Agora, mais ainda, porque sempre pedi oportunidade para fazer televisão. Já fiz muito teatro, fiz cinema, publicidade, mas TV, fazer projetos do começo ao fim, só acontece comigo há uns três anos. Acho que ‘Reis’ consolidou essa gratidão por fazer algo que sempre quis. E, principalmente, por ser uma personagem protagonista. Pessoalmente, é lidar com tanta gente ao mesmo tempo e poder construir uma família. Toda a gente é muito simpática, o que traz um conforto de fazer amigos, fazer novas relações. Em ‘Gênesis’ [2021] também as pessoas com quem contracenei eram muito talentosas, mas era um grupo mais pequeno. E em ‘Reis’, como sou protagonista e é muita gente, intensificou-se na minha vida. Fiz muitas amizades, e isso, para o lado pessoal, também é muito enriquecedor.
E profissional?
Aprender a lidar com a indústria, de ter de preparar uma cena atrás da outra, para o dia seguinte. O meu tempo de estudo hoje em dia é completamente diferente do que era antes, eu consigo decorar um texto com muito mais facilidade – comecei a perceber que estou a entender mais o mecanismo de associação das palavras. Fazer um protagonista é muito interessante, porque dá uma visibilidade maior ao teu trabalho. E também o carinho que recebemos do público – Davi é uma personagem muito querida. [Nas ruas] Eu vejo o carinho que as pessoas têm pela personagem, foi diferente quando eu fiz o Esaú [em ‘Gênesis’], que era um vilão. Então, são muitas coisas. É tudo muito positivo. Claro que tem o seu lado negativo, que é a correria. Às vezes, ficamos realmente sobrecarregados, mais sensíveis. Mas os pontos positivos são muito maiores.
Reis – segunda a sexta, 20:00 (hora Lisboa/Londres).