Primeiro-ministro admite que o Governo “cometeu erros”.
O primeiro-ministro admitiu que o Governo “cometeu erros” e “pôs-se a jeito” nestes primeiros meses de maioria absoluta, mas afastou qualquer relação entre uma eventual derrota nas europeias de 2024 e uma crise política.
Em entrevista ontem à RTP, conduzida pelo jornalista e diretor de informação, António José Teixeira, António Costa reiterou a intenção de chegar ao final da legislatura em outubro de 2026, considerando que foi esse o objetivo dos portugueses quando deram ao PS uma maioria absoluta, há exatamente um ano.
Questionado sobre um cenário de dissolução do parlamento em 2024, ano de eleições europeias, o primeiro-ministro procurou desdramatizar um eventual mau resultado do PS.
“Tenho visto essa conversa sobre eleições europeias, só por três vezes é que um partido que está no Governo ganhou eleições europeias. Eu espero que o meu partido ganhe, mas pode não ganhar, e nunca foi isso que causou qualquer crise política”, afirmou, admitindo que, além das questões europeias, os portugueses usam muitas vezes este sufrágio para “um voto de protesto”.
“Mas daqui até maio/junho de 2024 há muita água para correr”, salientou.
Na parte inicial da entrevista, o primeiro-ministro foi confrontado com os vários “casos e casinhos” no Governo nestes primeiros meses.
“Este ano seguramente o Governo pôs-se a jeito e cometeu erros, mais o maior tropeção que tivemos de enfrentar foi a guerra desencadeada pela Rússia”, afirmou, defendendo que o problema central que preocupa os portugueses é a inflação.
António Costa recusou ainda a imagem de um Governo desgastado: “Eu sinto-me bem e o meu médico também me diz que eu estou bem”, respondeu, em tom bem-humorado.
“O Governo tem de provar todos os dias aquilo que vale, os portugueses decidiram que devia haver maioria absoluta porque não queriam mais governos a cair de dois em dois anos, como o Presidente da República teve oportunidade de interpretar logo no primeiro dia do Governo: que eu próprio deveria ser primeiro-ministro durante quatro ano”, insistiu.
Na entrevista de cerca de 50 minutos, António Costa voltou a insistir que o seu Governo tem demonstrado como “uma maioria pode ser dialogante”, apontando os acordos em sede de concertação social, na função pública e com os municípios, mas também no parlamento, frisando que a maioria das propostas do executivo não é aprovada apenas com o voto dos socialistas.
Sobre o último ano, Costa recusou críticas de falta de humildade ou de ligação à realidade, dizendo que tem insistido que não são os problemas do Governo que estão no centro das preocupações dos portugueses.
“Obviamente que houve problemas dentro do Governo com consequências políticas que eram graves, houve duas mudanças de ministros, algumas pessoas que saíram por doença e três que saíram por questões ou de ética ou judiciais. Esses problemas, sem desvalorizar a sua dimensão, não se comparam com os problemas que atingem o dia a dia dos portugueses”, defendeu.
O primeiro-ministro disse ter aprendido que o facto de haver maioria absoluta “reforça o escrutínio e o grau de exigência” e reconheceu que talvez nem sempre o Governo tenha respondido “prontamente às dúvidas que existiam”.
“O que é mais relevante é a estabilidade de políticas, foi nas políticas que os portugueses votaram”, disse, insistindo que “o grande motivo de insatisfação das pessoas tem a ver com a inflação” ou o seu impacto nos créditos à habitação.
Na entrevista à RTP, Costa reiterou ter ficado surpreendido com a revelação do ex-ministro Pedro Nuno Santos de que, afinal, tinha autorizado o pagamento de uma indemnização da TAP à ex-secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, e admitiu estranheza que tal tenha sido feito via mensagem escrita.
“Acha que algum primeiro-ministro pode validar esse tipo de decisão? Claro que não, nem o próprio validou”, disse, assegurando que só soube de tal informação quando Pedro Nuno Santos a revelou, já após a sua demissão.
Na parte económica da entrevista, o primeiro-ministro afirmou que na terça-feira serão conhecidos os números do INE sobre o crescimento de 2022, adiantando apenas que “todas as previsões indicam” que terá sido acima do previsto, mostrando-se também otimista quanto ao ano em curso.
“Todas as previsões para este ano indicam que Portugal vai ter crescimento, não tão forte como este ano, mas vai continuar a crescer”, disse.
O primeiro-ministro considerou, por isso, que 2023 é um ano que os portugueses “podem encarar com confiança”, mas avisando que é preciso “manter a firmeza” para que os números batam certo.
No entanto, recusou que as contas certas sejam uma meta a todo o custo deste governo: “Eu gosto de falar [em contas certas] e os portugueses gostam de as ter”, disse.
“Se for necessário tomar novas medias na margem orçamental da nossa disponibilidade, claro que o faremos”, assegurou, salientando que em 2023 quer o Salário Mínimo, quer as prestações sociais, quer “o conjunto do aumento” nas pensões já foram acima da inflação.
Cada ministro já colocou“a si próprio” questionário do Governo
O primeiro-ministro defende que cada ministro já colocou “a si próprio” as 36 perguntas aprovadas pelo executivo para os novos governantes, uma vez que o tema foi “longamente discutido” no Conselho de Ministros.
António Costa foi confrontado com a aparente discordância com o Presidente da República sobre se o questionário para os novos governantes se deveria aplicar ou não aos atuais membros do executivo.
“Este questionário foi discutido longamente no Conselho de Ministros: cada um dos ministros já se colocou a si próprio – e entre nós – as questões daquele questionário”, afirmou, reiterando o argumento de que este mecanismo “antecipa as respostas que todos os membros” do atual Governo já deram no parlamento e ao Tribunal Constitucional.
O primeiro-ministro salientou que o questionário “não foi aprovado pelo Presidente da República, mas pelo Governo”.
“Eu propus ao Conselho de Ministros uma resolução que tinha um questionário, foi muito discutido, todos deram opiniões, fizeram sugestões”, disse, defendendo que todos “o confrontaram consigo”.
Sem querer detalhar qual foi a primeira solução que propôs a Marcelo Rebelo de Sousa, o primeiro-ministro explicou que se tratava de um escrutínio baseado num conjunto de informações de que não dispõe nem pode dispor e de que “o Presidente da República não dispõe e eventualmente não pode dispor”.
“As diligências do Presidente da República não foram bem-sucedidas, tivemos de encontrar um modelo alternativo”, afirmou, dizendo ter lido afirmações do chefe de Estado onde este disse que “conhecia o questionário e lhe parecia um bom sistema”.
Para responder a situações que recentemente levaram a demissões no Governo, o executivo aprovou em 12 de janeiro, em Conselho de Ministros, um questionário de verificação prévia a preencher por convidados para ministros ou secretários de Estado com 36 perguntas, que abrange os últimos três anos de atividades e se estende ao agregado familiar.
As 36 perguntas estão divididas por cinco áreas: atividades atuais e anteriores, impedimentos e conflitos de interesses, situação patrimonial, situação fiscal e responsabilidade penal.
O Presidente da República tem defendido que o questionário para candidatos a governantes também se aplica a quem já está em funções, por “bom senso cívico”, realçando que abrange matérias não cobertas pela declaração de rendimentos e património.
Já o primeiro-ministro tem insistido que o questionário adotado pelo Governo apenas se aplica a novos secretários de Estado ou ministros e que os membros em funções já prestaram informações ao parlamento e ao Tribunal Constitucional, considerando que “esse escrutínio é público e está feito”.
PSD diz que Costa é um primeiro-ministro “trapalhão” e “rendido”
O secretário-geral do PSD, Hugo Soares, acusou António Costa de ser um primeiro-ministro “trapalhão” e “rendido”, que não consegue apresentar “um projeto mobilizador” para o país.
Em reação à entrevista de António Costa à RTP, Hugo Soares criticou ainda o “desplante” do primeiro-ministro por ter dito que o Governo “não tem qualquer responsabilidade no bónus, que foi conhecido, de dois milhões de euros à CEO da TAP”.
“Tivemos um primeiro-ministro absolutamente rendido, um primeiro-ministro incapaz de falar sobre o futuro do país e sobre aquilo que preocupa realmente a vida das pessoas em Portugal. Eu diria que foi mesmo incapaz de apresentar uma agenda transformadora, que era aquilo que se exigia. Foi incapaz, de resto, de apresentar uma única ideia, uma única proposta, uma única medida para o ano que se inicia”, apontou Hugo Soares.
Para o secretário-geral do PSD, 2022 “foi um ano desperdiçado”, com uma maioria absoluta “que se transformou numa deceção para os portugueses”.
“Os portugueses deram uma maioria ao PS na expectativa de ter estabilidade política e o que este Governo e este primeiro-ministro trouxe ao país foi instabilidade política”, disse ainda.
Para Hugo Soares, Costa apresentou-se na entrevista como “um primeiro-ministro à semelhança do seu Governo, um primeiro-ministro trapalhão e que não quer assumir a responsabilidade por nada”.
“Deu-se até o caso, na entrevista de hoje, de o primeiro-ministro dizer que o Governo não tem qualquer responsabilidade no bónus, que foi conhecido, de dois milhões de euros à CEO da TAP. Teve o desplante de dizer que o Governo não tem qualquer responsabilidade nessa decisão”, criticou.
Para o dirigente social-democrata, Costa “não é o primeiro-ministro de que o país precisa”.
Hugo Soares criticou ainda o primeiro-ministro por não ter tido uma postura clara em relação ao ministro das Finanças, caso Fernando Medina seja envolvido numa “suspeita concreta do ponto de vista ético e político”.
“Chutou para canto, é incapaz de assumir o que quer que seja”, disse ainda.
Para Hugo Soares, o primeiro-ministro “é que se está a pôr a jeito”, com os sucessivos casos e polémicas envolvendo membros do Governo.
“Foi ele que escolheu os membros do Governo (…), que estão a sair de modo alucinante (…), que decidem indemnizações de 500 mil euros com um ok no whatsapp”, sublinhou.
Hugo Soares acusou ainda António Costa de confundir “muitas vezes maioria absoluta com poder absoluto”.
“Esta maioria tem funcionado como um rolo compressor, por exemplo na Assembleia da República, onde constantemente reprova e inibe os ministros de irem ao Parlamento prestar os esclarecimento que a oposição e o país exigem”, rematou.