“Chamava-nos à sua tenda para nos fazer massagens”

“Chamava-nos à sua tenda para nos fazer massagens”
REUTERS/Pedro Nunes
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Revelamos aqui alguns dos testemunhos relatados à Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica.

São histórias de mulheres e homens que dizem ter sido abusados por padres e outros membros da igreja. Crimes muitas vezes silenciados pela vergonha e pelo medo. Avisamos que são depoimentos chocantes e com detalhes perturbadores.

“Quando contei à minha mãe, ela não acreditou e ainda pior, disse que eu era culpada!”

Nasceu em 1972 e foi vítima de abusos por parte de freiras e do padre X na casa de infância onde vivia.

Entre os 5 e os 10 anos, esteve num orfanato, onde fez a primária. Havia mais de 300 raparigas. Foi abusada pela primeira vez aos 5 anos, pelo padre que era o Dr X, mais ou menos com 40/50 anos.

No inquérito que preencheu com a Comissão Independente, revelou que foi vítima de várias práticas sexuais. Tudo acontecia no quarto do padre ou na sacristia, uma vez por semana, ao longo de anos.

“Com a conivência das freiras, mandava chamá-la e levava-a. Fez queixa a uma freira: “que estava maluca e era mentirosa”. Fiquei três dias sem comer. (…) Nunca quis ter filhos porque passei pelos maiores horrores não me sendo permitido ser criança. Acordava às 5h da manhã, e punham-me a tomar banho de água fria, porque fazia xixi na cama. Maus-tratos terríveis. Maus-tratos, violência física e emocional. Isto é que me fez testemunhar. Não tinham qualquer empatia por aquelas crianças. Quando contei à minha mãe, ela não acreditou e ainda pior, disse que eu era culpada! O companheiro da minha mãe também abusou de mim, aos 13 anos. Um dia, peguei numa faca e estive quase a cometer um crime. Senti-me ferida, dorida e aos 15 anos a minha mãe disse para eu me ir embora.”

“Havia geralmente um rapaz especial”

Uma das denunciantes partilhou a história de uma das vítimas, um rapaz de 15 anos.

“O rapaz que me fez o relato mais consistente chamava-se A tinha cerca de 15 anos na altura, frequentava o 8º ou 9º Ano.  Segundo estes relatos, o Padre X, responsável pela instituição, teria sido chantageado por antigos rapazes que lhe exigiam dinheiro em troca de manterem silêncio sobre abusos sexuais cometidos pelo Padre contra eles. A cedência a esta chantagem teria esvaziado os cofres da Casa, que se encontraria falida. A situação teria sido tardiamente detetada pela direção, que teria tido de intervir (na pessoa do então diretor, Padre Y) e afastar o Padre X. Os rapazes contaram que os abusos cometidos pelo Padre X ocorriam à noite, depois do jantar, quando se reuniam numa das camaratas (aquela que era também partilhada pelo Padre, conhecida como “a camarata do Senhor Padre”). Segundo contaram, havia contactos impróprios com os rapazes, por iniciativa do Padre, sob as mantas com que se cobriam no sofá em frente à televisão. Os rapazes contaram que havia geralmente um rapaz especial, que merecia do Padre uma proteção especial. Os rapazes manifestavam algum ciúme, diziam que era “o filho do Padre”, que o Padre fazia tudo o que ele queria, que numa viagem à EuroDisney o Padre o tinha escolhido para dormir no seu quarto, e que muitas vezes dormia no quarto do Padre na camarata.”

“Penso onde andará esse tarado”

M, nascido na década de 80, filho de professores, partiu numa viagem de finalistas de rapazes do 2.º ciclo, organizada pela escola particular que frequentava, no interior norte do País.

Tinha então 12 anos e, durante a noite, foi vítima de abuso por parte do padre que os acompanhava, o seu professor de Religião e Moral Católica, na altura com cerca de 30-40 anos.

Houve exibição de zonas genitais; manipulação de órgãos sexuais; toques, beijos, masturbação e sexo oral. Sabe que não foi o único.

“Sei que ele ainda é vivo mas já não trabalha naquela escola, mas penso onde andará esse tarado pois em qualquer sítio ele fará mal a outros.”


“Chamava-nos à sua tenda para nos fazer massagens após atividades”

M, nasceu na década de 90. Pertencia ao Corpo Nacional de Escutas e participou num acampamento quando andava no 9.º ano, tinha 15 anos. Foi abusado por um padre, de cerca de 30 anos.

“Chamava-nos à sua tenda para nos fazer massagens após atividades e caminhadas, chamava todos, quem não estaria cansado? Ia subindo pelo corpo, das pernas, até cá acima, virilhas e ia começando a aproximar-se dos genitais onde acabava por tocar, primeiro por baixo da roupa, depois chegava a estar mais à vontade e por último já baixava a minha roupa de baixo (…) Aconteceu várias vezes durante os dias desse acampamento e houve tentativas depois”. 

“Toques e sussurros ao ouvido”

F, nascida nos anos 60, filha de comerciantes, foi vítima de abuso durante a confissão. Tinha então 11 anos e o abusador era um padre com mais de 80 anos era muito
conhecido na comunidade.

“Pedia para eu dizer os meus pecados e quando eu dizia que fiz asneiras e disse palavrões, tocava-me em todo o lado, maminhas, punha-me as mãos nas cuequinhas e tocava no pipi. (…) Tocava, tocava, foram cinco vezes até que comecei a mentir ao meu pai e deixei de ir…”

A ida aos arquivos secretos permitiu perceber como a Igreja lidou e escondeu os casos de abusos de menores nos últimos 70 anos. E os testemunhos das vítimas mostram como muita gente sabia o que acontecia e nunca se fez nada.

Dos denunciados, só 25 casos podem ser investigados judicialmente, uma vez que a maior parte prescreveu.