Crianças devem assumir papéis de liderança para serem cidadãos interventivos  

Mais de 330 mil crianças eram pobres em 2019

Ideia de que crianças mais pequenas são demasiado novas para pensar na cidadania digital tem vindo a mudar.

O investigador do ISCTE Vítor Tomé defende que “é necessário atribuir papéis de liderança às crianças” para se formarem “cidadãos interventivos, empreendedores e com cultura democrática”, no livro sobre o projeto de investigação “Academia de cidadania digital”.

O livro “Empowering Communities with Media Literacy – The Critical Role of Young Children, escrito por Vítor Tomé e Belinha S. De Abreu, relata o projeto iniciado em 2015, envolvendo cerca de 400 crianças do ensino pré-escolar e primário, as suas famílias, professores e membros da comunidade, no Agrupamento de Escolas de Caneças, em Odivelas.

Vítor Tomé, especialista do Conselho da Europa e da Comissão Europeia para a área da literacia mediática, disse à Lusa que a ideia de que as crianças mais pequenas são demasiado novas para pensar na cidadania digital tem vindo a mudar.

Tem de ser criado “um projeto que as crianças lideram, sendo apoiadas pelos adultos. Não é um projeto que os adultos desenvolvem para as crianças”, se não “a sua voz, a sua iniciativa e a sua liberdade estão condicionadas”.

Quando o projeto começou ainda não existia uma estratégia de educação para a cidadania, mas “hoje, a compreensão do que é a cidadania digital já é diferente, pois existem muitas iniciativas locais, nacionais e internacionais nesta área. As crianças estão numa idade em que são extremamente criativas, pelo que não as podemos limitar com modelos reprodutores, em que aprendem e debitam o que aprendem”, afirmou o investigador à Lusa.

Esta experiência permitiu ligar os conteúdos escolares e os interesses das crianças para identificar problemas que existem na comunidade e encontrar soluções, procurando “criar pontes com a comunidade educativa, projetos comuns, de acordo com os interesses das crianças e sempre liderados por elas. Por exemplo, se as crianças queriam fazer uma campanha de reflorestação, criámos condições para tal”, revelou o investigador.

Com o desenvolvimento do projeto percebeu-se como “primeiro resultado que é possível implementar um projeto comunitário, na área da cidadania digital, a partir de uma formação de professores, o que implica desde logo uma lógica longitudinal e não algo feito num ano, em dois ou três”, garantiu Vítor Tomé.

A “Academia de cidadania digital” arrancou como um projeto de pós-doutoramento, apoiado com uma bolsa individual da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, que terminou em fevereiro de 2018, no entanto, alunos, professores e pais conseguiram que o projeto continuasse e, até dezembro de 2022, tem o apoio do programa Conhecimento da Fundação Calouste Gulbenkian.

Apesar de o financiamento estar a terminar, Vítor Tomé garantiu que continuará, pelo menos até final de 2023, sendo alargado a um segundo agrupamento de escolas na área da União de Freguesias de Ramada e Caneças, avançando também para os Açores e ainda têm o objetivo de querer replicá-lo noutras regiões do país.

Em sete anos de projeto que envolveu milhares de alunos, professores e pessoal não docente, foram implementadas quatro ações de formação contínua de professores, centradas em cidadania digital, literacia dos media e em janeiro será organizada uma nova ação focada no combate à desinformação.

Vítor Tomé é um dos investigadores do ISCTE que participam no projeto Iberifier, de combate à desinformação, de que a Lusa também é parceira.

O Iberifier é um projeto ibérico, que visa combater a desinformação, reunindo um total de 12 universidades, seis centros de investigação na península, cinco ‘fact-checkers’ (organizações de verificação de notícias), e as agências de notícias espanhola Efe e portuguesa Lusa.