Doentes com artrite reumatoide com acesso dificultado a medicamentos

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Pedem o fim de portaria que os obriga a esperar meses e a fazer dezenas de quilómetros.

Os doentes com artrite reumatoide cuja medicação é levantada nas farmácias hospitalares querem ver revogada uma portaria que dizem ter vindo dificultar-lhes o acesso aos medicamentos, obrigando-os a esperar meses e a deslocar-se dezenas de quilómetros.

Conforme explicou à Lusa a presidente da ANDAR – Associação Nacional de Doentes com Artrite Reumatoide, Ardisete Saraiva, esta portaria veio reforçar o papel das comissões de farmácia e terapêutica dos hospitais na “avaliação e decisão do protocolo terapêutico”, acabando por “atrasar o acesso dos doentes aos medicamentos”.

“Um dos doentes, que levanta a sua medicação na farmácia do Hospital Amadora-Sintra, esteve 44 dias sem medicação”, contou a responsável.

A Lusa contactou este doente, que relatou que “tem sido um suplício” conseguir a medicação na farmácia do Hospital Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra, no distrito de Lisboa), considerando que a burocracia tem dificultado o acesso e que “os doentes com doença crónica não estão a ser respeitados”.

“Da última vez que fui levantar a medicação, já quase nem conseguia apertar os botões da camisa”, contou Manuel Valadas, que sofre de artrite reumatoide e teve de percorrer três hospitais até conseguir encontrar um que tivesse a medicação de que precisava.

A responsável da ANDAR explicou à Lusa que a portaria que pretende ver revogada define que cabe às comissões de farmácia dos hospitais decidir os termos da dispensa dos medicamentos, segundo as regras aplicadas a cada hospital. Isto faz com que cada unidade hospitalar decida o medicamento que dispensa.

“O hospital decide que medicamentos tem disponíveis e o doente é que tem de andar a percorrer quilómetros porque o hospital mais perto de si não tem?”, questionou.

Além disso, acrescentou, as farmácias hospitalares usam a portaria aprovada este ano, assim como uma orientações de junho da Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica (órgão consultivo do Infarmed), para indicar que é ao médico que cabe preencher o registo mínimo – o documento exigido no início do tratamento e que contém informações do doente, da doença e do medicamento que levanta. Até aqui, essa tarefa era dos serviços farmacêuticos.

“A portaria não altera o anexo da portaria anterior que define que a responsabilidade do registo mínimo é dos serviços farmacêuticos e essa orientação é apenas isso, uma orientação, não tem força de lei”, considerou Ardisete Saraiva, para quem esta situação acabou por trazer mais entraves no acesso destes doentes aos medicamentos.

E prosseguiu: “Agora, quando o doente vai à farmácia hospitalar, se não leva o registo mínimo preenchido, muitas vezes não consegue trazer o medicamento.”

No caso de Manuel Valadas, o Hospital Amadora-Sintra sugeriu que fosse visto por outro médico, daquela unidade, para lhe preencher o registo mínimo. Respondeu que não, que só confiava no médico que o seguia e que o doente não tem culpa das burocracias exigidas neste processo.

Ardisete Saraiva contou igualmente que, em muitos casos, o pedido da comparticipação tem de ser avaliado pela comissão de farmácia do hospital, um processo que “demora muito”: “E o doente precisa da medicação, não pode esperar.”

A responsável referiu ainda o caso de um doente que mora em Montemor-o-Novo (distrito de Évora), trabalha em Portalegre e teve de levantar o medicamento à farmácia do hospital de Évora, mas só o conseguiu dois meses depois.

O doente esperou de março a maio e, após esse tempo, só conseguiu trazer uma das duas embalagens prescritas pelo médico.

“O médico acha que o doente apenas deve voltar à consulta dois meses depois e, por isso, passa uma receita com duas embalagens. Mas a farmácia decide entregar apenas uma ao doente, que é obrigado a perder o dia de trabalho e fazer quilómetros para ir levantar a segunda embalagem”, lamentou a representante.

A responsável da ANDAR dá o exemplo de uma outra doente de Sousel (distrito de Portalegre), que foi à consulta de reumatologia no Hospital de Santa Maria, na semana passada. Para evitar uma segunda ida a Lisboa, aproveitou para seguir para a farmácia do hospital.

“Eram 15:00, a farmácia fechava às 16:30 e já não me deixaram entrar, dizendo que estavam já 150 pessoas à espera”, contou à Lusa a doente, Isabel Pinto.

Isabel, que é professora, explicou que teve de faltar dessa vez e que, mesmo assim, não conseguiu levar o medicamento. Pediu ajuda e será a ANDAR a levar-lhe o medicamento a casa. O que ainda tem termina na quinta-feira.

Na semana passada, o ministro Manuel Pizarro anunciou que as farmácias de bairro iam poder distribuir os medicamentos prescritos nos hospitais para tratamento de algumas doenças e fazer a renovação automática da medicação para doentes crónicos prescrita pelo Serviço Nacional de Saúde.

Questionada pela Lusa, Arnisete disse que a medida, quando estiver a funcionar, será uma ajuda e vai facilitar a vida aos doentes, mas insistiu: é preciso ficar salvaguardado que, “nos medicamentos biotecnológicos que as farmácias hospitalares passam a entregar na farmácia comunitária […], o farmacêutico não poderá alterar [a medicação] sem consultar o médico prescritor, para saber se podia fazer essa mudança”.