A inflação “é uma subida generalizada dos preços e os rendimentos não sobem na mesma proporção”, o que causa sérios constrangimentos às famílias e respetivos orçamentos, segundo explica Pedro Brinca, professor de Macroeconomia, na Universidade Nova SBE.

Absorver essa subida não é fácil, principalmente para as famílias com orçamentos mais limitados, onde os ajustes são quase impossíveis numa gestão, já por si, apertada. Ainda assim, pode sempre haver alguma coisa que pode ser feita numa altura em que tudo está ou parece mais caro.

“Em primeiro lugar: rever as despesas mensais e ver, com um olho mais clínico, quais delas são essenciais. Por exemplo, muitas vezes é possível renegociar os contratos de eletricidade, gás e televisão por cabo, com condições mais vantajosas que podem levar à diminuição do encargo mensal”, detalha o especialista.

Muitas pessoas poderão fazer poupanças com uma consolidação de créditos. “Muitas famílias têm diversos créditos: têm crédito ao consumo, crédito pessoal, crédito automóvel, cartões de crédito, e em alguns casos pode fazer sentido falar com uma instituição financeira que compre todos esses créditos e em vez de estar a dever a A, B ou C, está a dever apenas a uma instituição. Chama-se a isso uma consolidação de crédito. A prestação mensal que se fica a pagar nessa consolidação de crédito é tipicamente mais baixa”, elucida Pedro Brinca.

Como fazer face ao aumento dos preços
O aumento da inflação tem obrigado as famílias a refazerem os seus orçamentos | © Envato

O mais importante é fazer contas e prever cenários. Conhecer as despesas fixas e gerir o orçamento disponível. Primeiro deverá calcular a taxa de esforço, ou seja, o peso dos créditos no seu rendimento líquido. De acordo com recomendações da DECO, essa despesa deverá ser de até 35% do rendimento disponível.

“Acho que faz muito sentido as pessoas verem as suas despesas familiares e fazerem cenários. Se os preços aumentarem determinado valor, como ficamos? Se o crédito habitação aumentar, como ficará a nossa situação?”, exemplifica Pedro Brinca.

Crédito habitação

E se falamos em créditos não podemos esquecer o maior de todos ou que, pelo menos, ocupa a maior fatia do orçamento familiar. O Banco Central Europeu já confirmou a subida das taxas de juro em julho e, por isso, a prestação ao banco deverá ficar mais cara. Também aqui há opções que podem ser feitas.

Mudando o contrato de taxa variável para taxa fixa, poderá inicialmente pagar mais, mas a diferença é que funciona como um seguro, ficando protegido contra subidas acima daquele valor – Pedro Brinca, economista

“Logo à cabeça renegociar com o banco de forma a estender a maturidade do empréstimo. Dessa forma a prestação mensal desce, libertando recursos para a quebra de rendimento. Naturalmente, também podem em muitos casos verificar qual o spread que estão a pagar, ou seja, qual o preço que o banco está a cobrar pelo empréstimo. Em alguns casos pode ser renegociado para valores mais baixos e com isso diminuir, muitas vezes de forma acentuada, a prestação mensal”, resume o economista.

Também poderá optar por uma taxa de juro fixa, limitando-a a um valor definido e imutável, o que pode ser benéfico se as subidas das taxas de juro continuarem para valores mais complicados. 

Taxa de Inflação, uma conta sensível

Em Portugal a inflação voltou a acelerar para se fixar em 8,7% no mês de junho, segundo a estimativa rápida do Instituto Nacional de Estatística. Trata-se do valor mais elevado desde dezembro de 1992.

A subida dos preços a nível global foi um dos tópicos de discussão entre responsáveis de bancos centrais, decisores políticos e economistas que se reuniram esta semana em Sintra para uma conferência anual. Para a zona euro, os especialistas fixam a expectativa de uma subida da inflação para os 6,8% no conjunto do ano. Mas estas taxas e valores às vezes representam pouco do que se passa na altura de ir às compras.

“Com uma taxa de inflação oficial de 6,8%, uma análise ingénua levar-nos-ia a pensar que os preços aumentaram em média 6,8%. Mas isto é um índice de inflação calculado com médias. Por exemplo, o preço da carne tem três vezes mais peso numa família de mil euros do que numa família que ganhe três mil”, continua Pedro Brinca. 

Desde o início do ano que a DECO Proteste tem vindo a monitorizar o preço de um cabaz de 63 produtos alimentares essenciais como carne, peixe, legumes, fruta, arroz e massa, açúcar, leite, queijo e manteiga. As conclusões mostram como o preço destes produtos tem vindo a aumentar ligeiramente todas as semanas. A 23 de fevereiro, este cabaz tinha o preço de 187,73 euros. A 22 de junho, a mesma seleção de produtos custava já 201,98 euros, o que representa um aumento de quase 15 euros. “Estamos a falar de um aumento de inflação de dez por cento em 4 meses. Quando a taxa de inflação é de 6,8 a 12 meses”, afirma o economista.

Como fazer face ao aumento dos preços
A DECO Proteste tem vindo a monitorizar o preço de um cabaz de 63 produtos alimentares essenciais, cujos preços têm acompanhado a subida da inflação | © Envato

Um conflito armado na Europa a envolver um dos grandes exportadores de trigo e um dos maiores exportadores de petróleo e gás natural, no rescaldo de uma pandemia global. Uma receita para o desastre impresso no aumento dos preços, principalmente na energia.

Mas lá diz o ditado ‘não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe’, que se pode aplicar à Economia. “Não tenho dúvidas de que o aumento dos preços de energia é um salto que não pode continuar. Vai chegar a um ponto que o seu contributo para a inflação irá esgotar-se. É muito previsível que a médio prazo os preços da energia voltem a cair de forma até bastante acentuada. Porque, entretanto, os países já tiveram estratégias de adaptação”, conta Pedro Brinca.

Para o economista, se o banco central conseguir reajustar as expectativas dos agentes económicos face aos preços, será possível começar a ver a taxa de inflação a baixar.

“Sem o problema das expectativas eu ficaria muito surpreendido se daqui a um ano não tivermos já uma taxa de inflação inferior aos 2%. No longo prazo a inflação é sempre um fenómeno monetário: ou se produz dinheiro e introduz dinheiro no mercado, ou compra-se dívida dos estados através dos bancos centrais, outra forma de injetar dinheiro na economia. Os preços não podem continuar a subir”, acrescenta.

PRR: um ‘falso amigo’

Muito se tem falado sobre o Plano de Recuperação e Resiliência, um pacote de ajuda financeira vindo da União Europeia que visa a implementação de um conjunto de reformas e investimentos, de forma a incentivar a retoma do crescimento económico sustentado do país. Uma boa notícia para empresas, mas que pode ter um efeito inverso ao pretendido no que toca à inflação.

“Um fator que pode não ajudar a este abrandamento da inflação é a questão do PRR. É o problema eterno da política orçamental. Nós temos uma crise, fazemos um pacote de política orçamental, que é discutido no Parlamento.  Quando o dinheiro chega à rua já a crise passou. E depois o problema é que vai trabalhar contra nós, porque vai colocar pressão sobre os preços”, afirma o docente.

Este pacote de ajuda financeira é assim uma faca de dois gumes: “Por um lado, não ajuda porque coloca uma pressão extra sobre preços; por outro, se de facto esta subida de taxas de juro significarem uma quebra grande na procura, a despesa do PRR vai sustentar muitas empresas. É esperar para ver”, conclui Pedro Brinca.

FONTE© Envato