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À noite no Zoo

Afinal, o que fazem os bichos quando ninguém os está a ver? A 'Share Magazine' foi descobrir e mostra-lhe o resultado no Dia Mundial do Animal.

A noite no zoo - crocodilo
© Envato

Quando o sol se despede, é o começo de um novo dia para os animais noturnos. A coberto da escuridão, preparam-se para enfrentar a madrugada acordados.

“Eles têm outra vida quando não estamos aqui. De manhã, quando chegamos, as plantas que colocámos estão de pantanas, a água que estava limpa deixou de estar… O período da noite é quando estão mesmo ativos, exploram as instalações e fazem a sua vida normal”, explica a curadora dos répteis, Telma Araújo. É no reptilário do Jardim Zoológico de Lisboa que nos é apresentada a maior serpente do mundo, a pitão-reticulado. Dorme tranquilamente durante o dia, alheia aos olhares de quem por ali vai passando, e faz da noite o seu pavilhão de caça. “É um animal noturno e crepuscular, que é consequência da maneira como obtém alimento. Estas cobras esperam pela presa e caçam por emboscada. Ficam quietinhas, escondidas no solo e depois atacam, envolvem-se à volta da presa e matam por asfixia”, descreve a curadora.

A galinha da vizinha

Os ratos já se tornaram pequenos demais para serpentes deste porte, pelo que a ementa tem de passar por animais maiores, como coelhos e galinhas. Alimentar as duas pitão-da-birmânia é, segundo Telma Araújo, uma autêntica aventura: “Como são duas fêmeas, muito temperamentais, temos de ter cuidado para elas não lutarem pelo alimento. É a tal história da galinha do vizinho é melhor do que a minha, uma quer a galinha que a outra tem e então há brigas… Temos de garantir que elas não se enrolam nem se mordem e ficam com feridas”.

À noite no zoo - pitão-da-birmânia
A temperatura é crucial para a sobrevivência da pitão-da-birmânia | © D.R.

Quando chega o verão e os dias longos, o biorritmo dos animais sofre alterações e a comida é dada muito cedo, para que tenham tempo de se alimentarem no início da manhã. “Reagem muito à duração do dia e à mudança da temperatura. Os répteis são todos ectotérmicos, a sua temperatura depende da do ar, por isso o reptilário tem uma temperatura constante para garantir que eles têm boas condições e se mantêm minimamente ativos. Se não estiverem ativos não conseguem digerir, crescer nem manter os seus hábitos”, explica a curadora.

São animais de sangue frio, mas Telma garante que de frios não têm nada. “Ao contrário do que as pessoas acham, as cobras ressentem-se até com mudanças de instalação ou quando colocamos algum substrato ou planta cujo cheiro não gostam. Mesmo entre os tratadores, há animais que reagem mais a uma pessoa, demonstram preferências.”

Arca de Noé

As tartarugas-de-pescoço-comprido, oriundas da ilha de Roti, na Indonésia, são uma das espécies mais ameaçadas que existem no reptilário. Com a degradação do seu habitat natural, alguns animais foram capturados e distribuídos por diferentes zoológicos, para se obter uma população de salvaguarda.

À noite no zoo - tartarugas-de-pescoço-comprido
As tartarugas-de-pescoço-comprido são uma das espécies mais ameaçadas do reptilário | © D.R.

“O Zoo de Roterdão conseguiu reproduzir estes animais e, em 2008, recebemos crias para contribuirmos para o projeto de reprodução e conservação da espécie. Em 2010 começámos a reproduzi-las, incubámos os ovos artificialmente… e estes animais são os pais e crias que já nasceram aqui no Zoológico”, diz Telma, com visível orgulho.

São mais de 30 as tartarugas-de-pescoço-comprido que nadam no tanque do reptilário e que, entretanto, também irão para outros zoos, de forma a dar continuidade ao programa de reprodução e conservação.

“As espécies ameaçadas fazem parte de programas de criação, para se reproduzirem ao máximo e garantir o objetivo do Zoo em funcionar como uma arca de Noé em relação ao habitat natural.”

O bufo falador

Há quem lhe chame, erradamente, mocho ou coruja mas, na realidade, Little é um bufo-de-bengala. E bufo porquê? A tratadora Clara explica: “Quando se sentem ameaçados, bufam. Incham, abrem as asas, levantam os tufos que têm na cabeça, que parecem orelhas, e bufam para afastar os predadores”.

Esta ave de rapina tem uma visão tão boa durante dia como à noite, mas é durante o período de escuridão que se alimenta. “Só caçam de noite porque os seus predadores são as águias, que são diurnas. Durante o dia, escondem-se em troncos para que elas não os vejam”, elucida a tratadora.

À noite no zoo - coruja-do-mato-tropical
A coruja-do-mato-tropical triangula o som para localizar as presas | © D.R.

Os bufos giram a cabeça num ângulo de 270 graus, de forma a poderem avistar a presa sem fazerem movimentos bruscos, e o voo também é completamente silencioso, devido às pontas das asas desfiadas. Clara exibe as patas de Little, cobertas de penas: “As penas são para sentir os ratos. São como um escudo contra os roedores, assim que os sentem apanham-nos, antes de os ratos os morderem”.

Este bufo de 12 anos é descrito pelos tratadores como uma das aves mais tranquilas. “É uma ave que não liga aos outros, passa o dia a descansar, quando chega a hora do voo faz o exercício dele, toma o seu banhinho, gosta de dar uns mergulhos na piscina dele e não se chateia com nada.”

Apesar de sossegado, é o único que não resiste a saudar os ‘seus’ humanos. “No inverno, quando fechamos as lonas das instalações, é o único que vocaliza. Uuuhhh, uuuhhh, parece que se está a despedir de nós, só ele é que faz isso. E quando chegamos de manhã faz também uuuhhh uuuhhhh (risos)”, exemplifica o tratador Hugo.

Curiosidades

Os ‘mais’ e ‘menos’ do Zoo de Lisboa

O maior animal 
elefante-africano

 

O mais pequeno
tentilhão-zebra

 

O mais velho
girafa-de-angola (Java)

 

O menos conhecido
niala

 

O maior felino
tigre-da-sibéria

 

A maior serpente
pitão-reticulado

 

A maior ave
casuar

 

O mais pesado 
rinoceronte-branco

 

O mais alto 
girafa-de-angola

 

O que dorme mais
koala

 

O mais parecido com o Homem 
chimpanzé

 

O mais ameaçado
órix-de-cimitarra

Um papagaio diferente

Na luva de Hugo aninha-se o pequeno Yeti, que tem este nome “porque quando era pequenino era todo branquinho, com uns grandes olhos, parecia mesmo o abominável homem das neves”.

Esta coruja-do-mato-tropical teve um início de vida bastante atribulado e foi o acaso que ditou a sua chegada ao Jardim Zoológico. “Ele veio parar ao Zoo numa apreensão, juntamente com ovos de papagaio encontrados no aeroporto. No meio daqueles ovos todos nasceu aqui um papagaio um bocadinho diferente dos outros… (risos) Isto porque as aves de rapina noturnas normalmente aproveitam os ninhos das outras aves para colocarem os ovos”, conta o tratador.

Esta espécie alimenta-se essencialmente de insetos e raramente falha o alvo, pois está equipada com ouvidos assimétricos, para o som chegar primeiro a um ouvido e depois a outro, permitindo triangular o som e calcular a distância exata a que se encontra a presa. “O disco facial é muito importante, é como uma antena parabólica onde ele recebe as vibrações, que são encaminhadas depois para os ouvidos”, completa Hugo.

Acariciado pelo tratador, Yeti inclina de imediato a cabeça e fecha os olhos, deliciado: “É um animal sociável, procura festas. Às vezes põe-se com a cabeça encostada à grade da gaiola a pedir uma festinha…”.

Gato escondido com rabo de fora

Gaspar e Bara são um casal de leopardos-da-pérsia. Como bons felinos crepusculares, passam o dia a preguiçar à sombra, empoleirados nas plataformas, de onde apenas se avistam as longas caudas. “O dia é passado a dormir e ao entardecer começam a ficar ativos, assim como durante a noite. Tentamos ter plataformas minimamente visíveis, de forma a que os visitantes consigam ver os animais, mesmo a dormir”, refere o curador dos mamíferos, José Dias.

No que diz respeito à temperatura, estes ‘gatos grandes’ são animais muito resistentes, com uma amplitude térmica de 80 graus: “Tanto aguentam 40 graus positivos como negativos. Mas são animais que, se estiver muito calor, tentam sempre refugiar-se na sombra”.

A vegetação que abunda nas instalações dos felinos propicia a que estes consigam camuflar-se facilmente e permanecer escondidos, se assim o desejarem. “Há 30 anos seria impensável ter uma instalação assim, hoje em dia os visitantes já estão mais sensibilizados para o facto de isto ser também opcional para o animal. Os animais estão visíveis apenas se quiserem estar”, precisa José Dias.

Para ilustrar as palavras do curador, um dos ocelotes do Zoo, até então bem escondido, faz uma breve aparição para, logo de seguida, voltar a desaparecer por entre as folhagens. “Temos um programa de enriquecimento ambiental, que tem como objetivo estimular os comportamentos naturais de cada espécie. 

Por exemplo, colocamos na instalação alimentação ou cheiros diferentes, de forma a que haja atividade durante o dia, não forçando os animais a fazê-lo, contudo”, afirma o curador.

Diz-me o que comes, dir-te-ei quem és

O hipopótamo-pigmeu tem hábitos mais noturnos que o seu parente, o hipopótamo comum. “O hipopótamo é um animal que não pode estar muito tempo exposto a raios solares por causa da pele, tem de estar debaixo de água, então vem cá fora alimentar-se durante a noite”, explica José Dias.

À noite no zoo - hipopótamo-pigmeu
O hipopótamo-pigmeu passa grande parte do tempo a refugiar-se do sol | © D.R.

Os guaxinins, com o seu negro focinho pontudo, também mostram preferência pela noite. Estes ágeis mamíferos, bons trepadores e nadadores, são animais omnívoros e obtêm a maior parte dos alimentos no solo ou perto da água.

Guaxinim
O guaxinim é um animal omnívoro que obtém a maior parte dos alimentos no solo ou perto da água | © D.R.

São, aliás, os hábitos alimentares que levam a que os animais sejam diurnos, crepusculares ou noturnos, no entanto, pode sempre existir uma adaptação.

“A maior parte dos animais crepusculares, nomeadamente os predadores, quando estão no seu habitat, se souberem que têm maior oportunidade de caça durante o dia, vão adaptar-se. Eles fazem-no à noite, porque têm vantagens, por exemplo, o leopardo consegue fazer a aproximação à presa muito mais facilmente de noite, desloca-se de forma silenciosa, é praticamente invisível e tem uma visão noturna, olfato e audição muito desenvolvidos”, conclui o curador dos mamíferos.

O sol desponta e o Jardim Zoológico enche-se de vida, com os bichos a saudarem o dia acabado de nascer. Para os animais noturnos… bem, a esses resta-nos apenas desejar-lhes uma ótima noite de sono.

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