A pouco mais de 40 quilómetros da linha da frente do conflito nascem bebés e consolam-se mães, num momento supostamente feliz, mas pautado pela destruição de um conflito armado.

Nas janelas contam-se os sacos de areia empilhados que protegem a aparente fragilidade dos vidros. Os partos são realizados em salas interiores, resguardadas do exterior através de, pelo menos, duas paredes. É assim a vida nesta maternidade em Pokrovsk, a última ainda sob controlo ucraniano na região do Donbass.

Ivan Tsyganok estabeleceu aquele centro clínico em 2015, um ano depois de representantes russos ocuparem grandes áreas das regiões de Donetsk e Lugansk, que compõem um terço do Donbass. Foram recentemente declaradas independentes pela Rússia e pelas forças separatistas que ocuparam a região, a mais populosa da Ucrânia.

Ivan Tsyganok, médico responsável da única maternidade em Pokrovsk controlada pelos ucranianos | © REUTERS/Marko Djurica

Aqui a vida acontece quando a pouco mais de 40 quilómetros está a linha da frente do conflito. “Já aconteceu assistirmos a partos durante bombardeamentos”, explicou Ivan Tsyganok, médico obstetra responsável pela aquela unidade. “O parto é um processo que não pode ser travado”, disse à agência Reuters.

Kateryna Buravtsova de 35 anos foi mãe há poucos dias. Ao colo segura Illiusha, o bebé que trouxe ao mundo, um mundo que gostaria que fosse diferente. “Queremos paz para que os nossos filhos não tenham de ver o que está a acontecer agora. Só queremos paz”, explica.

A vida num cenário de morte
Kateryna Buravtsova, 35 anos, deu recentemente à luz Illiusha | © REUTERS/Marko Djurica

A maternidade pode ser uma montanha russa de emoções e uma experiência difícil para algumas mães. Para Kateryna a maior dificuldade é outra: “A coisa mais assustadora é a incerteza. O que vai acontecer a seguir”, contou à agência noticiosa.

Foi a incerteza que a acabou por trazer para Pokrovs. Vivia numa vila junto à cidade de Kurakhove, entretanto bombardeada. Na conversa referiu que não se sabia onde poderia eventualmente dar à luz. “Poderia ser forçada a dar à luz num celeiro”, sublinhou.

Apesar disso, traz nas palavras a mesma esperança que nasce com um bebé. “Vai ficar tudo bem. Nós esperamos pelo melhor”, afirmou, enquanto cruza o olhar com o de Illiusha.

Prematuridade

Illiusha nasceu com apenas 28 semanas de gestação com “zero probabilidades” de sobrevivência se o parto não tivesse ocorrido naquele centro. Graças à tecnologia e cuidados médicos disponibilizados naquela maternidade, está estável e a desenvolver bem.

A guerra impacta tudo à sua volta e esta criança nasceu no meio de um conflito que a obrigou a batalhar pela vida. Um problema que não é apenas dele.

A vida num cenário de morte
© REUTERS/Marko Djurica

Os médicos acreditam que as atuais circunstâncias do país e daquela região em particular estão a ter consequências nas grávidas. O nascimento de bebés prematuros tem sido uma realidade constante.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, até há pouco tempo a taxa de bebés prematuros em toda a Ucrânia era de 9%. Em 2021, cerca de 12 por cento das crianças que nasciam nesta maternidade eram prematuras.

Já desde o início do conflito, a 24 de fevereiro, 19 dos 115 nascimentos naquele centro foram prematuros, uma taxa de 16,5 por cento. O número de bebés nascidos antes do tempo aumentou apesar do número de nascimentos ter diminuído drasticamente.

Os efeitos dos conflitos na gravidez

Em 2017, Olesia Kushnarenko, médica obstetra naquele centro decidiu estudar como as gestações podem ser prejudicadas pelos efeitos de um conflito armado.

No estudo que realizou acompanhou 69 mulheres grávidas e saudáveis que viviam perto de conflitos verificando que estas apresentavam altos níveis de stresse na gravidez.

A vida num cenário de morte
© REUTERS/Marko Djurica

Durante a investigação percebeu que mais de metade das mulheres estudadas sofriam de insuficiência placentária, que acontece quando o oxigénio e nutrientes transferidos para o feto não são suficientes, uma taxa quatro vezes superior a um outro grupo de controlo de mulheres com 38 elementos.

Kushnarenko encontrou ainda outras complicações mais frequentes nestas grávidas, sujeitas a altos níveis de stresse, incluindo partos prematuros.