O caso de Archie Battersbee tem chocado o Reino Unido e o mundo. O menino está em morte cerebral depois de ter participado num desafio do TikTok que consistia em privar-se de oxigénio até desmaiar. O caso de Archie não é único, numa altura em que as redes sociais dominam interações e alcançam um mercado cada vez mais jovem.

O caso de Archie Battersbee dominou nos últimos dias a atualidade internacional. O menino de 12 anos está internado em morte cerebral depois de ter sido encontrado inconsciente pela mãe no dia 7 de abril, com uma ligadura envolta do pescoço.

Acredita-se que tenha participado no “Blackout Challenge”, um desafio na rede social TikTok. Os pais iniciaram uma batalha legal no Reino Unido após os médicos darem o diagnóstico, contestado pelos pais, e pretenderem desligar as máquinas que permitem à criança respirar.

A família da criança britânico foi a todas as instâncias possíveis, recorrendo ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e até à Organização das Nações Unidas. Mas sempre sem sucesso.

O caso está a chocar o Reino Unido e o mundo. A morte, ou neste caso específico, a morte cerebral, de uma criança é sempre trágica, mas a de Archie alcança contornos mais dramáticos.

Archie era uma criança saudável, desportista, nascido numa família normal e com uma vida totalmente comum. Colocou-se nesta situação pelas próprias mãos para ganhar visualizações e seguidores numa rede social, realizando um dos seus desafios mais populares e perigosos.

O que é o “Blackout Challenge”?

O “Blackout Challenge” surgiu e ganhou os primeiros seguidores na internet já em 2008, de acordo com as conclusões de um estudo do Centro de Controlo de Doenças ( Centers for Disease Control).

A “moda” ganhou novo folego em 2021 entre os mais novos no TikTok, uma rede social jovem e a “preferida” da geração Z (pessoas que nasceram na segunda metade dos anos 1990 até o início do ano 2010) e da geração Alpha (pessoas nascidas no começo da década de 2010 até ao meio de 2019), com vídeos que consistiam em apertar o pescoço, privando o cérebro de oxigenação até desmaiar.

O desafio já custou a vida a vários jovens e crianças.

Archie não é caso único

Apesar de trágico, o caso de Archie não é único no mundo. Milhares de pessoas já realizaram a “trend” no TikTok e houve até quem conhecesse o mesmo final triste do menino britânico.
De acordo com um artigo do The Washington Post, várias famílias tiveram de enfrentar um desfecho desta gravidade após o polémico desafio. Só nos Estados Unidos contam-se pelo menos cinco.

Nylah Anderson, uma menina de dez anos, natural de Chester, no estado norte-americano da Pensilvânia, foi uma delas. A menina foi encontrada inconsciente no quarto em dezembro de 2021. Foi transportada para o hospital passando cinco dias a receber cuidados médicos, mas acabaria por não resistir.

Contam-se ainda pelo menos um caso na Austrália, o de James Boyd-Gergely, um jovem de 14 anos, que participou no desafio em abril de 2020 e ainda uma menina em Itália, que morreu no ano passado.

As vítimas desta “trend” são todas menores de idade que acabaram por não resistir aos efeitos do desafio, nomeadamente os danos provocados pela hipoxia cerebral – a diminuição da concentração de oxigénio no cérebro.

Caso Archie: Os perigos das redes sociais
MariaSiurt, Envato

TikTok e os desafios perigosos da internet

Em 2016 muito se falou do “Desafio da Baleia Azul”: uma série de exercícios e etapas que culminavam no suicídio. A tendência surgiu numa rede social russa e acredita-se que o fenómeno tenha sido responsável por cerca de 100 suicídios pelo mundo.

Desde essa altura, muitos outros tornaram-se virais nas redes sociais e mais tarde noticiados pelos media tradicionais.

É impossível esquecer que em 2018, crianças e jovens filmavam-se a comer cápsulas de detergente, para depois publicar na internet.

Em 2021, um menino de 11 anos teve de ser submetido a várias cirurgias depois de ter ingerido pequenos íman, na sequência do desafio “Magnet Challenge”, popularizado no TikTok. Em 2021 foi também moda naquela rede social um o desafio da caixa de leite, que consistia em andar sobre pilhas de caixas de plástico, que levou ao alerta de especialistas sobre o risco de lesões que a moda poderia provocar.

Um ano antes, um jovem de 15 anos morrida a participar no “Bendryl Challenge”, desafio que consistia em tomar grandes quantidades de anti-histamínicos e esperar pelos seus efeitos alucinógenos.

Recentemente foi também conhecido o desafio do mel congelado, que consistia em encher uma garrafa com mel, colocá-la no congelador e esperar que o alimento solidificasse para depois consumi-lo. Especialistas alertaram para os perigos de hiperglicemia, dores de barriga e até diarreia resultantes da realização daquela tendência.

Plataformas têm responsabilidade?

Os desafios perigosos na internet começaram ainda antes de chegar ainda antes de plataformas como o TikTok. As motivações que levam jovens a colocar em risco a sua integridade física e psicológica são várias, mas chamar a atenção e ganhar notoriedade num mundo digital que dita através pelos números de seguidores e interações quem é popular ou relevante, pode estar intrinsecamente ligado ao aumento destas tendências perigosas.

Para Tito de Morais, fundador do projeto Miúdos Seguros na Net, as plataformas escudam-se atrás da retórica da liberdade de expressão e produção de conteúdos e também ao facto de que, tudo o que é produzido e publico, é feito pelos utilizadores e não pelas plataformas.

“As plataformas têm um mecanismo em que as pessoas podem denunciar este tipo de situações, mas, normalmente, elas não agem de uma forma proativa no sentido de remover este tipo de publicações rapidamente. Há um debate entre a preservação do direto à livre expressão e um direito de proteção à proteção das crianças neste âmbito”, explica Tito de Mortais à Record TV.

Apesar de serem de utilização gratuita, as redes sociais e demais plataformas de publicação de conteúdo, ganham com os seus utilizadores, através do conhecimento dos seus hábitos e consumos online, de forma a construir uma base de dados que saiba direcionar a publicidade de forma eficaz.

“As plataformas ganham mais se as pessoas virem mais conteúdos e durante mais tempo, porque nos podem mostrar mais publicidade e assim conhecer melhor os nossos hábitos de consumo e navegação, e usar essa informação para nos manter agarrados a estas tecnologias”, explica Tito. “Nesse sentido também podem ser responsabilizadas porque, ao não remover este tipo de conteúdos e desenvolverem funcionalidades que nos mantém agarrados a este tipo de plataformas, na realidade, estão a contribuir para a difusão deste tipo de situações” conclui.

Ainda assim pode ser difícil imputar culpa a estas empresas pelo tipo de argumento que utilizam. “O que argumentam normalmente é que não são elas que publicam estes conteúdos, são os seus utilizadores e isso normalmente isenta-as de responsabilidades” afirmou.

Como ajudar as nossas crianças?

Informar e não proibir é a melhor a ferramenta nestes casos. A educação para o perigo passa pelo diálogo e esclarecimento, de forma clara e aberta.

“A primeira situação é os pais discutirem este tipo de desafios de uma forma extremamente aberta com os filhos: que tipo de desafios e que conhecem, quais é que experimentaram, porque é que o fizeram, etc. Depois é explicar-lhes os riscos que são inerentes a fazer este tipo desafios. E não só desafios: há conteúdos na internet que se os pusermos em prática poderão resultar em dano e, no limite, mesmo em morte”, explica Tito de Morais.

Mas este é um trabalho que não termina em casa. “Ao nível das escolas, devemos desenvolver o pensamento crítico” até porque, segundo explica Tito de Mortais, “nem todos estes desafios são negativos”.

O objetivo passa pela educação, espírito crítica, esclarecimento e denúncia, que deve ser da “comunidade”.

“Este é um esforço das famílias, da escola e da comunidade e por comunidade entendemos as empresas que produzem as plataformas onde estas situações acontecem”, explicou.

FONTEPuhimec, Envato