Liz Truss protagonizou o mandato de Primeiro-ministro mais curto na história do Reino Unido. Foi eleita líder do partido Conservador na esperança de trazer o conservadorismo ideológico e liberalismo económico para a ribalta, com muitos a dizerem que tratava uma nova Margaret Tatcher. Mas o legado de Liz Truss em nada foi igual ao da primeira mulher a liderar os destinos do Reino Unido.

Liz Truss fez o que muitos acharam impossível. Venceu as eleições para a liderança do partido Conservador e alcançou o topo da hierarquia britânica quando todas as probabilidades apontavam para a vitória do adversário Rishi Sunak. Aos 47 anos, a conservadora tornou-se na terceira mulher a liderar os destinos do Reino Unido e a quarta governante em apenas seis meses.

Em frente ao número 10 de Downing Street, a nova Primeira-ministra prometia ações arrojadas na economia, energia e saúde, setores que definiu como prioritários para o seu mandato. Anunciou redução de impostos, um forte combate à inflação e especulação do mercado energético e um reforço do serviço nacional de saúde britânico. Prometeu ruas seguras e empregos e oportunidades para todos. Tudo isto sem esquecer a política externa e a necessidade haver segurança no exterior para haver segurança interna, num legado que lhe foi deixado por Boris Johnson, um dos principais aliados de Volodymyr Zelensky e crítico de Vladimir Putin e a invasão da Ucrânia.

A antiga ministra dos Negócios Estrangeiros trazia entusiasmo à ala mais à direita dos conservadores, como defensora do livre comércio e eventual guardiã do legado de Margaret Tatcher.

Mas o entusiamo da sua eleição durou pouco. Dias depois da tomada de posse, o mandato que agora iniciava era marcado pela morte de Isabel II. Uma monarca histórica cujas cerimónias fúnebres viriam a marcar toda a atualidade política, no Reino Unido e no mundo.

O mandato de Liz Truss sofreria o primeiro abalo exatamente com primeiro pacote de medidas. Uma descida abrupta dos encargos fiscais, uma bandeira de campanha da britânica, que em vez e alívio trouxe uma tempestade aos mercados financeiros, com a libra a desvalorizar de forma abrupta.

Primeiro saiu o ministro das Finanças. Chegou depois Jeremy Hunt para assumir a pasta e reverter todas as medidas anunciadas por Liz Truss. Uma machadada na autoridade da Primeira-ministra, necessária para acalmar os mercados. A contestação da Primeira-ministra foi contínua, principalmente vinda do próprio partido.

Chegou mais tarde a machada final das aspirações de Truss. A ministra do Interior, Suella Braverman deixou o governo com estrondo e deixou a porta aberta para a demissão, inevitável, de Liz Truss.

Truss protagonizou o mandato mais curto da história do Reino Unido ficando, dessa forma, nos registos de Downing Street. Mas quem era, afinal, Liz Truss?

Liz Truss: O legado que não chegou a ser
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Uma família de esquerda

Elizabeth Mary Truss nasceu a 26 de julho de 1975 no seio de uma família que, segundo ela, se posicionava à esquerda do Partido Trabalhista, o maior opositor dos Conservadores. Era a mais velha de quatro irmãos e a única mulher. O pai era professor de matemática na Universidade de Leeds e a mãe, enfermeira.

Em criança, pela mão dos pais, participou nos protestos contra Margaret Tatcher, aquela que é agora um dos ídolos políticos da nova primeira-ministra.

Estudo numa escola comum não sendo uma aluna memorável ainda que, à imprensa britânicas, colegas da altura tenham explicado que já quando era jovem, Liz Truss tinha preocupações sociais, fazendo campanhas contra o armamento nuclear e participando em ações de angariação de fundos para ajudar pessoas sem abrigo.

Acabaria por estudar política, filosofia e economia na Universidade de Oxford formando-se em 1996. Foi durante a vida académica que acabaria por ingressar na política, tornando-se líder universitária dos Liberais Democratas, um partido de oposição centrista.

Em 1996 juntava-se aos conservadores, para espanto e horror da família e amigos. Aos 25 anos tentava pela primeira vez a eleição ao Parlamento britânico, ainda que sem sucesso. Em 2009 conseguiria finalmente figurar nas fileiras do partido na Câmara dos Comuns marcando, a partir daí, o ritmo para uma ascensão meteórica até ao governo, encontrando lugares nos Executivos conservadores desde 2014, quando começou como ministra do Ambiente de David Cameron.

Liz Truss: O legado que não chegou a ser
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Uma vida de posições antípodas

A visão de Margaret Tatcher é a de uma mulher imperturbável, reta e praticamente inflexível. Liz Truss parece viver na sombra da histórica conservadora mas a retidão que em tempos pintou o número 10 foi substituída por uma elasticidade bem maior. Truss apareceu como um autêntico camaleão político que já defendeu tudo e o seu contrário.

As próprias cores políticas de Lizz Truss já foram diferentes tal como demonstrou o seu percurso político.

Na sua curta passagem pelos Liberais Democratas, Truss chegou a defender a abolição da monarquia. “Não acreditamos que as pessoas nascem para mandar”, dizia aos 19 num discurso durante um congresso do partido. A Monarquia britânica mantém-se de pé e Truss não voltou a defender tal ideia, muito pelo contrário.

Em 2016 foi uma defensora acérrima da permanência do Reino Unido na União Europeu, fazendo campanha pela não saída durante o referendo sobre o Brexit. Hoje a posição é a outra, com Truss a assumir-se como eurocética e uma das maiores apoiantes do Brexit, defendendo um Reino Unido menos dependente de Bruxelas e mais próximos de Estados Unidos e da região da Ásia Pacifico.

Durante a campanha para a liderança do partido Truss encostou-se à imagem e legado de Thatcher na procura de recolher ganhos perante o saudosismo do partido face à liderança da primeira mulher primeira-ministra. Mas o legado que traz não é o de Thatcher mas o de Boris Johnson, partilhando com ele as sanções pesadas à Rússia devido ao conflito na Ucrânia, a intenção de afastamento dos acordos celebrados com Bruxelas a propósito do Brexit e ainda a lealdade que os uniu, uma vez que Truss foi das poucas ministras que se manteve fiel ao ex-Primeiro- ministro, quando este viu o governo desmoronar.

A inconstância ideológica de Truss pode ser vista por uns como oportunismo político ou simplesmente como uma simples e boa capacidade de adaptação.

A verdade é que, pelo menos até à sua eleição, as cores ténues e pouco definidas valeram a pena.

Liz Truss será Primeira-ministra até o partido Conservador eleger um novo líder e, consequentemente, novo Primeiro-ministro.

Para trás ficam seis semanas de mandato oficial, que pouco acrescentaram a história britânica.

FONTE© Reuters