A máscara é uma aliada na proteção individual relativamente à covid-19 e permitiu que a vida fosse, aos poucos, voltando ao normal. Mas será que o uso da máscara só trouxe benefícios?

A verdade é que ainda não existem estudos científicos suficientes sobre o real impacto das máscaras nas crianças, mas já surgiram os primeiros sinais de alerta.

“Sentimos que no final do ano letivo passado – momento em que, por norma, na faixa etária dos 12 aos 14 meses se dá um ‘boom’ ao nível da linguagem – o desenvolvimento não se estava a verificar. Como não ouviam bem as palavras também não as repetiam e, portanto, a aquisição era mais tardia ao nível da linguagem. A aquisição em si estava desfasada do que é a normalidade”, conta Olga Mouro, proprietária de uma creche em Oeiras.

Olga Mouro - O outro lado da máscara
Olga Mouro – Proprietária de creche em Oeiras | © Record TV Europa

Também a terapeuta da fala da instituição partilha a mesma opinião. Mónica Rosas explica que “nas crianças dos um aos três anos a máscara tem uma influência muito negativa, porque elas estão a aprender a falar e não conhecem as palavras. Ver o rosto é muito importante, pois as crianças aprendem a ligar o movimento da boca ao som”.

Brincadeiras para acelerar a fala

Depois de identificada esta problemática, nesta creche em Oeiras, direção e educadoras tentaram perceber o porquê de as crianças estarem com um atraso na linguagem.

Chegaram à conclusão de que os consecutivos confinamentos e, por consequência, a menor socialização, o facto de os pais estarem em teletrabalho e o uso da máscara estava a afetar o desenvolvimento das crianças.

Mónica Rosas - O outro lado da máscara
Mónica Rosas – Terapeuta da Fala | © Record TV Europa

O trabalho dos pais é muito importante no desenvolvimento da criança. Mónica Rosas explica que os progenitores devem “estimular em casa através de várias brincadeiras… Por exemplo, quando vão no carro os pais podem perguntar as cores dos automóveis ou os números das matrículas. É muito importante estar a olhar para o rosto da criança, estar ao mesmo nível da criança, falar, pedir para repetir, contar histórias. Nós vemos muita diferença nos filhos de pais que estimulam as crianças comparativamente com outras crianças que não recebem esse apoio em casa”.

Várias línguas: bom ou mau?

No geral, e depois dos sucessivos confinamentos, houve uma maior procura por terapeutas da fala. Além das dificuldades que as crianças apresentaram, pode existir outra razão.

“Outra das razões é o facto de os pais terem estado em teletrabalho e as crianças estarem em casa mais tempo ligadas à televisão e a dispositivos móveis… e muito menos a socializar. Esse excesso acaba por fazer com que as crianças passassem muito mais tempo a ver e a ouvir e não tanto a comunicar, o que pode atrapalhar a forma como se expressam”, refere Pedro Crisóstomo, terapeuta da fala.

Pedro Crisóstomo - O outro lado da máscara
Pedro Crisóstomo – Terapeuta da Fala | © Record TV Europa

Os pais, e quem fala diretamente com crianças e bebés, devem ser mais expressivos, mais eloquentes e ter uma maior tonalidade para aumentar a capacidade comunicativa. Introduzir outras línguas pode ajudar no desenvolvimento, mas há riscos.

Pedro afirma que hoje em dia “chegam muitas crianças portuguesas a falar português do Brasil. Não existe nada de errado de as crianças verem programas em português do Brasil, mas devemos explicar as diferenças e corrigir quando dizem as palavras em brasileiro”.

O reverso da máscara

Rita Coelho também é terapeuta da fala e trabalha com várias crianças com algumas perturbações, como por exemplo trissomia 21 ou autismo. A pandemia impediu ainda mais o progresso no desenvolvimento de muitas delas “Sentiu-se que alguns destes meninos depois de voltarem vinham com alguns receios, por exemplo em relação às máscaras. Eu tinha muitos meninos que nas primeiras sessões agarravam-me na máscara e a arrancavam; e outros que quando meti a viseira choravam”, conta Rita.

Rita Coelho - O outro lado da máscara
Rita Coelho – Terapeuta da Fala | © Record TV Europa

A máscara já não é obrigatória em escolas e creches, mas há sempre outras situações que podem atrasar o desenvolvimento das crianças.
Segundo Pedro Crisóstomo “o normal é as crianças começarem a falar a partir dos dois anos. Se nessa idade a criança ainda não disser nenhuma palavra, os pais devem procurar um terapeuta da fala. Às vezes, os progenitores dizem que as crianças são muito pequenas e que logo começam a falar. No entanto, quanto mais precoce for este processo de expressão, mais depressa a criança começa a desenvolver.”

Apesar das dificuldades que pode criar nas crianças, a máscara – ainda que o seu uso já não seja obrigatório em muitas situações e locais – continua a ser uma aliada no combate à covid-19. O seu uso tem desvantagens na aprendizagem da fala por parte dos mais novos, mas a verdade é que as crianças acabam por ter uma grande capacidade de adaptação, mesmo quando confrontadas com situações adversas.

Pais, educadores e terapeutas também estão mais alerta para que a vida destes meninos e meninas continue a ser um colorido mundo de felicidade, com todas as cores e cheio de sorrisos. E de preferência sem máscaras.

FONTEKryzhov, Envato