Amor é a palavra de ordem hoje, dia 14 de fevereiro. Mas será que sabemos tudo sobre este sentimento? O psicólogo Nuno Amado responde.

1 – Como sabemos se é amor?

É difícil dizer. Normalmente o tempo é quem diz melhor isso. É claro que quanto menos se conhece uma pessoa mais possível é que nos estejamos a enganar. Há uma teoria que divide o amor em três componentes: a paixão, a intimidade e o compromisso. E convém ter pelo menos duas delas. Porque a paixão sem intimidade no fundo é um cheque em branco. Alguém que nos encantou, que nos interessou imenso, que suscitou toda a nossa atenção, mas com quem não temos intimidade. Portanto, não sabemos verdadeiramente quem é essa pessoa, temos só esta ideia de que a pessoa é a pessoa para nós. E de facto na paixão é muito fácil projetar características de personalidade, gostos, etc. E no princípio os apaixonados acham-se muito parecidos, acham que descobriram outra pessoa que fala a mesma língua do que elas. As coisas mais banais são vistas como coisas extraordinárias e como se tivesse sido o próprio destino a juntar aquelas duas pessoas. Com o tempo vamos descobrindo quem é que a pessoa realmente é. Vamos descobrindo que afinal aquela pessoa gosta de acordar à uma da tarde e nós gostamos de acordar às sete da manhã, o que torna uma relação um bocadinho difícil; que a outra pessoa afinal gosta muito de sair e nós não gostamos ou que a outra pessoa não gosta de cinema e nós gostamos; que a outra pessoa tem o hábito de discutir muito sobre as pequenas coisas e nós se calhar não gostamos de discutir muito… E, portanto, aí vai-se formando a intimidade, as pessoas vão-se revelando e dando-se a descobrir aos outros. No princípio, há uma certa seleção que as pessoas fazem daquilo que mostram e daquilo que perguntam. Acho que ninguém tem a ideia quando se apaixona de mostrar os piores lados da sua personalidade… no início, é tudo maravilhoso. A pessoa só fala e apresenta as coisas boas. A paixão serve para dar um capital de boa vontade. Depois com a intimidade também se vai descobrindo coisas boas sobre o outro, não com o fascínio dos primeiros tempos em que qualquer descoberta é extraordinária.

Nuno Amado
O psicólogo Nuno Amado aborda dúvidas e mitos relativos ao amor | © D.R.

2 – Quanto tempo demoramos a perceber que é amor?

Tudo varia muito de pessoa para pessoa. Há pessoas que têm a certeza passado um dia e outras que mesmo passados 10 anos não têm a certeza. E isso é muito fascinante. Acho que as pessoas vivem a paixão e o amor de uma certa maneira e assumem automaticamente que as emoções das outras pessoas serão semelhantes. Mas o que os estudos apontam é um período entre dois a quatro anos para a paixão.

Mesmo a ideia da paixão, como é um pensamento obsessivo, nunca seria ideal permanecer a longo prazo. Porque pode evoluir para uma coisa menos intensa, mas que permite outras paixões: pelos filhos, pela carreira, pela natureza, pelo desporto, pelo cinema… Algumas pessoas ressentem-se, achavam que era mais fácil e mais entusiasmante quando eram só os dois – na lógica do ‘amor e uma cabana’, mas a longo prazo para poucas pessoas isso será ideal… só para quem goste mesmo muito de cabanas. [Risos]

3 – Quanto tempo demoramos a ultrapassar uma relação que terminou?

Quanto mais tempo demorou a relação mais tempo é preciso para a esquecer. Quanto mais importante e central era na vida da pessoa, ou seja, até que ponto é que também envolve o dia a dia, porque a pessoa pode ter uma relação longa e apaixonada, mas à distância. Agora, duas pessoas que vivam juntas e se separem… a logística, se têm filhos, tudo isso torna muito mais difícil porque quanto mais enroladas as vidas estão numa relação, também mais difícil é essa separação. Mas tudo se faz.

4 – A era digital dificulta as separações?

Antigamente as pessoas podiam afastar-se, podiam deixar de passar na rua ou no bairro onde a pessoa vivia. Hoje, com as redes sociais, a pessoa pode quase seguir diariamente a pessoa que a deixou – o que me parece uma coisa um bocadinho negativa e que torna muito mais difícil a separação.

5 – De que forma a pandemia afetou as relações?

“É um bocado como uma dança: quando se dança Tango, os passos do homem não são os mesmos passos da mulher. Mas estão os dois a dançar a mesma dança. E, portanto, no amor eu também acho que as duas pessoas, apesar de acharem que os estão a fazer, cada uma dá o seu passo.

 

O importante é que os passos juntos resultem numa dança e não em alguém a pisar o pé de alguém”

Os primeiros estudos que começam a surgir sobre a altura da covid mostram duas reações um bocadinho extremadas de casais que pela dificuldade das circunstâncias se aproximaram mais, mas também casais em que houve uma grande desilusão. Em que tudo aquilo que a covid exigiu, os confinamentos, as partilhas das tarefas domésticas, os afastou. As mudanças positivas e negativas da vida muitas vezes também se podem refletir no casal e no nível de paixão ou intimidade que experimentam.

6 – Podemos ficar doentes por amor?

Claro, a paixão é uma espécie de doença benévola. [risos] Cria este estado de obsessão, há um tema, há uma pessoa, há uma relação com a qual eu fico obcecado em detrimento das outras. O amor tem sempre o problema da sincronia. É preciso duas pessoas que sintam não necessariamente o mesmo, mas que sintam sentimentos que encaixem. É um bocado como uma dança: quando se dança Tango, os passos do homem não são os mesmos passos da mulher. Mas estão os dois a dançar a mesma dança. Portanto, no amor as duas pessoas também estão a ‘dançar’, sendo que cada uma vai dando o seu passo. O importante é que os passos juntos resultem numa dança e não em alguém a pisar o pé de alguém.

7 – E morrer, é possível morrer por amor?

Sim, eu não queria responsabilizar o amor, mas é possível uma pessoa transformar aquilo que ela entende por amor, dar-lhe tanta importância e estar tão preocupada com uma forma de amor em detrimento de outras. A pessoa pode ter um equilíbrio e amar os amigos, amar o parceiro, amar a família e amar o trabalho. Ou pode por vezes decidir que só há alguém digno de amor que é a pessoa ‘x’ ou a pessoa ‘y’. E, portanto, perder a pessoa pode ter um efeito brutal na outra pessoa, o que pode, em casos muito raros, levar à morte. Não será uma morte direta, mas espoleta uma série de eventos e de ações que podem levar à morte. Mas eu diria que o amor é maioritariamente uma forma do bem e não do mal. É aquilo que as pessoas fazem com ele ou a perspetiva errada que têm sobre ele que podem ter essas consequências negativas.

8 – O amor é espontâneo?

As relações têm de ser trabalhadas. Eu não diria o amor, mas as relações. E são as relações que alimentam o amor e o amor que alimenta as relações. E a ideia de o amor não ter de ser trabalhado ou não exigir esforço parece-me um bocado utópica. Porque todas as relações exigem no mínimo duas pessoas. E como ninguém é o correspondente ideal a mim vão existir sempre pontos de discórdia e pontos de dessintonia, e esses requerem trabalho. E o tango não é uma dança fácil!

FONTE© Engin Akyurt, Pixabay