A terra está adormecida, seca, empedernida, privada do grande sustento e com pouca ou nenhuma vida a despontar.
Diz o provérbio que, quando não chove em fevereiro, nem bom prado nem bom palheiro. E, este ano, a máxima popular não poderia fazer mais sentido.
Não ter nada para dar aos animais é uma aflição terrível. Às vezes, nem dormimos
– António Banza, empresário agrícola
Em Castro Verde, no coração do baixo Alentejo, os dias secos, com temperaturas a lembrar uma primavera fora de tempo, estão a deixar os agricultores em desespero.
O inverno sem chuva veio complicar ainda mais as contas para os agricultores desta região. As 1700 ovelhas de António Banza estão a ser alimentadas à base de tacos, uma mistura de cereais. Mas a escassez de alimento é ainda pior para os bovinos que precisam de pasto mais alto. “Tivemos verão quase até ao Natal, só para meados de março é que vai chover alguma coisa.”

O empresário lembra que a falta de pasto verde está a limitar o desenvolvimento dos ovinos. “Faltam microelementos para que cresçam e criem defesas. As rações e as palhas são quase nada para o sustento dos meus animais.”
Alimentos na reserva
Na região do Campo Branco, os animais já estão a ser alimentados com as reservas que estavam guardadas para o verão. Sem previsão de chuva abundante, a produção de cereais de outono/inverno e as pastagens para a alimentação do gado estão em risco.

“Não temos muito mais a fazer, senão esperar que chova. Dependemos da situação meteorológica.” É o desabafo da técnica da Associação Agricultores do Campo Branco, Ana Nobre.
Ela lembra que os preços das rações, palhas e fenos estão a tornar-se insustentáveis para as explorações pecuárias. “Não ficam com nada em casa e para o ano vai ser dramático.”
Sem acesso à água do Alqueva, a aposta destes produtores afunila-se na agricultura de sequeiro. É menos rentável do que as de regadio, mas é o que o solo e a meteorologia permitem. Por aqui, há até quem diga que se houvesse água em abundância, o território estaria transformado em olival superintensivo.
Coitadas, [as vacas] andam à procura de mais, mas não há. E nem perspetivas disso
– Fernando Félix, empresário agrícola
As silhuetas serpenteadas na barragem do Monte da Rocha, no concelho de Ourique, são reveladoras. A falta de água tem criado ilhas atrás de ilhas e deixado margens e rochas a descoberto.
A albufeira abastece Ourique, Castro Verde, Almodôvar e, ainda, parte dos concelhos de Odemira e Mértola. O caudal está agora no nível vermelho, com 15% da sua capacidade. Para já, está garantido o abastecimento público às populações.

A paredes meias da barragem encontramos a exploração de Fernando Félix, criador de porco alentejano e bovinos. “Há 40 anos que não comprava feno e palha para os animais. Comprei agora um camião de comida, depois há de ter de ser outro. Em condições normais, as vacas já estavam nas cercas a pastar porque tinha chovido”, refere.
‘Charcas’ para regar culturas
O retalhado das terras explica porque é conhecida como a grande abastecedora de hortícolas do país. Em São Pedro da Cadeira está instalada uma exploração de 80 hectares de bimis, um produto que nasceu da união natural entre um bróculo e um repolho oriental. Aqui, as estruturas de rega já estão a funcionar. Caso contrário, a produção, quase toda absorvida para a exportação, ficaria comprometida.
“Nesta fase temos água para regar. Se março e abril não forem meses de precipitação, provavelmente em agosto, não teremos água”, explica o empresário.
Apesar de ter uma ‘charca’ que permite abastecer toda a área de cultivo, o plano de produção teve de sofrer grandes alterações. Vão plantar menos 30%, ou seja, o mercado vai ter menos oferta disponível e, inevitavelmente, os preços também vão aumentar.
A mesma preocupação é partilhada pela Associação Interprofissional de Horticultura do Oeste. “A produção vai ser reduzida e alguns agricultores que já tinham dificuldades, poderão mesmo deixar a atividade”, diz Sérgio Ferreira.

Numa outra exploração da região de Torres Vedras encontramos Paulo Maria. Está há 30 anos no sector dos hortícolas, mas só em 2017 é que decidiu mudar a forma como regava a produção de tomate cultivada à base da técnica de hidroponia.
Ao lado da exploração tem instalada uma ‘charca’ do tamanho de um campo de futebol. Tem capacidade para armazenar 75 milhões de litros de água da chuva. Mesmo com um inverno seco, a meio de fevereiro tem ainda disponíveis 43 milhões de litros, o que representa 57% da água armazenada.
A Associação que representa os horticultores do Oeste não tem dúvidas de que este é o modelo que melhor se encaixa nas necessidades dos produtores para enfrentar a escassez de água. Um modelo sustentável e que reaproveita toda a água da chuva.
Para o empresário, Paulo Maria, o futuro passa por continuar a investir. “Neste momento estamos a elaborar outro projeto com o mesmo princípio. Vamos instalar mais cinco hectares com uma ‘charca’ destinada a abastecer a produção”.

No início de fevereiro, o Governo ordenou a suspensão temporária de produção de eletricidade em cinco barragens do país que apresentavam níveis críticos de armazenamento.
A albufeira do Cabril está agora a 36% da capacidade total de abastecimento, já a barragem de Castelo de Bode, responsável por abastecer as torneiras de três milhões de pessoas na área da Grande Lisboa, está nos 58 %. Neste caso, o nível da água continua a descer diariamente.
Na Aldeia do Mato, no concelho de Abrantes, poucos têm memória de um caudal tão baixo por causa da seca. Chegou ao ponto em que os barcos encalham nos socalcos da albufeira. Pescar é uma atividade impossível. E quem tem um pedaço de terra ainda vai tentado salvar o que está semeado.
A esperança está agora depositada nos meses de março e abril para que se consiga inverter o cenário negro, se assim não for as culturas da primavera estão ameaçadas.
91% em seca severa ou extrema
O mês de janeiro foi o sexto mais seco em 90 anos e o segundo pior desde 2000. Mas nada bate o que aconteceu em 2005. Milhares de pessoas das regiões do Alentejo e Algarve ficaram sem água potável, os campos esvaziados de culturas e os criadores de gado sem terem como alimentar os animais.
De acordo com o boletim do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, 91% do território estava a 15 de fevereiro em seca severa ou extrema. Dados que indicam um novo agravamento da situação de seca meteorológica no país.
Com as reservas de água e de comida praticamente no fim, os agricultores antecipam um verão difícil de suportar. Pedem ao Governo medidas eficazes e urgentes que permitam salvar o presente e o futuro, sendo praticamente certo que os custos da seca extrema vão ser sentidos por todos. Consumidores incluídos.