O bailarino que mais influenciou a história, o estilo e a perceção pública do ballet, chegando a ser chamado 89 vezes a palco após uma só atuação, decidiu aos seis anos o que queria ser quando fosse grande. E foi.

A 17 de março de 1938, numa carruagem qualquer do comboio Transiberiano, perto do Lago Baikal, em Irkutsk, na Sibéria, nascia um dos mais importantes bailarinos do século XX.

Quarto e único filho homem de um humilde casal de camponeses tártaros, Rudolf Khametovich Nureyev acabaria por ser criado na República Socialista Soviética de Bashkir, hoje designada Barcortostão, mas o talento não quis que ali morresse.

“A dança é o que eu faço, essa é minha vida”
Rudolf Khametovich Nureyev | © Allan_Warren (Wikipédia)

Rebelde determinado

O primeiro contacto com a arte dos pliés, tendus e rond de jambe chegou aos seis anos quando assistiu pela primeira vez a ballet e percebeu o que queria fazer para o resto da vida.

Com a ajuda da mãe e contra a vontade do pai, conseguiu, aos 17 anos, entrar na Academia de Dança Vaganova, em Leninegrado (atual São Petersburgo).

Durante três anos, revelou-se um aluno rebelde, mas ávido de aprender tudo o que precisava para compensar o início tardio

“Abordo a dança de um ângulo diferente do de quem começa a dançar aos oito ou nove anos. Aqueles que estudaram desde o início nunca questionam nada”, chegou a dizer.

Quando chegou aos cuidados do professor Alexander Pushkin pesava-lhe a fama de difícil e contestatário, mas a extraordinária capacidade de trabalho intenso convenceram o reconhecido mestre, que chegou a albergá-lo na sua própria casa.

“Se paro três dias, as costas, as pernas e a espinha ficam deterioradas. Se fosse uma semana, as minhas pernas tremeriam na barra e eu desmaiaria”, dizia, mostrando um elevado espírito de sacrifício no que respeitava aos treinos físicos, apesar de se revelar contra as restrições programáticas da escola.

Liberdade em Paris

Assim que completou a formação, em 1958, a técnica e sensualidade de Nureyev mereceram-lhe o convite para solista do Ballet de Kirov, uma das mais importantes companhias de bailado da Rússia.

“Nem mesmo Nijinski [considerado, na altura, o melhor bailarino de sempre] começou a sua carreira no Ballet Imperial como solista”, destaca Julie Kavanagh, a autora da biografia ‘Nureyev: The Life’.

Em 1961 prega uma partida ao destino. Quando atuava com a companhia em Paris, decide não regressar à Rússia, ilude a segurança russa e pede asilo a França, juntando-se de imediato ao Grand Ballet do Marquês de Cuevas.

As teorias sobre a deserção de Rudolf Nureyev da ex-URSS são quase tantas quanto o número de livros que sobre ele se escreveram

Numa das muitas biografias escritas sobre o bailarino, atribuiu-se a fuga a um amor secreto que o terá convencido a fugir. O bailarino nunca confirmou o romance proibido, que terá começado ainda em território russo.

A vontade de Nureyev era a de viver este amor em Paris. Insistiu muitas vezes, mas a mãe da pessoa que lhe virou o mundo ao contrário não a deixou partir. Num espaço de dias, o muro de Berlim foi erguido, isolando a parte oriental da cidade da Europa Ocidental. Nunca mais se viram.

Mundo na ponta dos pés

A verdade é que, em pouco tempo, Paris torna-se pequena demais para o seu génio e o bailarino começa a percorrer os palcos mais importantes do mundo ao lado de alguns dos nomes maiores da dança, como as prima ballerinas Margot Fonteyn, Eva Evdokimova, Carla Fracci, Elisabeth Platel ou Sylvie Guillem.

Nureyev espantava o público com giros e saltos espetaculares, mas sem dúvida que foi o seu temperamento apaixonado e sentimental que o fez um fenómeno. Apresentou-se em palcos como Lisboa, Porto, Paris, Londres e Nova Iorque, e encantou todo o mundo com a sua arte

Em 1982, 20 anos depois de se tornar exilado, recebe a cidadania austríaca, embora continue a passar mais tempo em França, enquanto diretor e coreógrafo da Ópera de Paris.

O inevitável regresso à ‘mãe Rússia’ acaba por dar-se apenas em 1989, enquanto Nureyev obtém autorização para dançar no Teatro Kirov e visitar a mãe enferma.

Ele próprio, também já doente, acaba por morrer com SIDA, quatro anos depois, aos 54 anos, na Cidade Luz, aquela que o acolheu e testemunhou os seus maiores triunfos.

FONTE© Envato