Elizabeth Holmes prometia mudar o mundo das análises clínicas e exames de diagnóstico. Apontada como o próximo Steve Jobs, a norte-americana fundou a empresa Theranos, tendo por base o desenvolvimento de um kit fácil e rápido, que, através de uma gota de sangue, seria capaz de cobrir uma ampla gama de diagnósticos clínicos.

Uma ideia milionária que rapidamente gerou interesse de investidores e clientes, mas que nunca saiu do papel. O projeto não chegou a ter uma aplicação prática credível, com os protótipos desenhados a falharem constantemente.

Ainda assim, a Theranos foi criada, tendo por base uma tecnologia que nunca funcionou – chegando ao ponto de, secretamente, os exames e amostras de sangue serem enviados para serem analisados por outras empresas e laboratórios, e, em outros casos, os resultados eram simplesmente errados. Nada que impedisse Holmes de angariar investimentos, atraindo o interesse de figuras conhecidas e algumas das pessoas mais ricas do mundo, incluindo o magnata Rupert Murdoch ou o fundador da Oracle, Larry Ellison.

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Elizabeth Holmes à chegada ao tribunal, com o marido, Billy Evans, e a mãe, Noel Holmes | © Reuters

Em 2014, a Theranos atingiu o pico e estava avaliada em nove mil milhões de dólares. Em 2015, Holmes foi incluída na lista de pessoas mais influentes do mundo. Nesse mesmo ano começou a queda de um império que nunca existiu.

O início do fim

John Carreyrou é o nome do jornalista de investigação do ‘The Wall Street Journal’ que escreveu uma série de reportagens com acusações de fraude à tecnologia desenvolvida pela Theranos, expondo as deficiências e as imprecisões das técnicas desenvolvidas e aplicadas pela empresa.

Em causa estava o dispositivo desenvolvido, chamado Edison, uma espécie de minilaboratório que prometia processar centenas de testes, utilizando apenas algumas gotas de sangue. Uma tecnologia que nunca funcionou, mas que serviu de fachada para a empresa, que, durante vários anos, reuniu investimentos, clientes e valorizou em bolsa.

O jornalista – que mais tarde escreveu o livro ‘Bad Blood – Bad Blood: Secrets and Lies in a Silicon Valley Startup’ – mostrou como várias pessoas recebiam testes com informações erradas sobre problemas como VIH e cancro, ou, por exemplo, testes de gravidez.

Em 2016, a empresa perdeu algumas das suas parcerias mais importantes, nomeadamente com a rede de farmácias Walgreens e os supermercados da norte-americana Safeway.

Em 2018, a Theranos colapsou de vez, depois de várias quedas nos valores das ações e na popularidade da sua fundadora.

Em novembro de 2022, Elizabeth Holmes foi condenada a uma pena de 135 meses de prisão por ter defraudado os investidores da sua empresa, numa decisão protelada até esta semana devido aos vários recursos interpostos pela empreendedora.

Agora já não há volta a dar. A ‘princesa de Silicon Valey’, aos 30 anos considerada a mais jovem bilionária do mundo, é agora reclusa numa prisão federal dos Estados Unidos.

Elizabeth Holmes, atualmente com 39 anos e dois filhos, vai também ter de restituir 420 milhões de euros aos investidores defraudados. Uma gota num longo oceano, uma vez que muitas das vítimas nunca receberão o dinheiro investido nesta grande fraude.

Quem era Elizabeth Holmes

Elizabeth Holmes sempre sonhou ser diferente. Jovem prodígio deixou o curso de engenharia química, na faculdade de Stanford, aos 19 anos para, em 2003, fundar a empresa baseada na sua ideia, que iria revolucionar a indústria na saúde. Juntamente com o namorado da altura, Ramesh ‘Sunny’ Balwani, recolheu milhões em investimentos até colocar a empresa de pé.

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Ramesh ‘Sunny’ Balwani, antigo namorado de Elizabeth Holmes, era o presidente e diretor de operações da Theranos. Também ele foi condenado a 13 anos de prisão | © Reuters

De recordar que Sunny, que se tornou presidente e diretor de operações da Theranos, foi também condenado a quase 13 anos de prisão, numa pena que já está a cumprir. A defesa de Elizabeth Holmes colocou a maioria das culpas no empresário, acusando-o de abuso físico e psicológico sobre Holmes, na altura uma adolescente. O ex-companheiro de Sunny é 18 anos mais velho do que a empresária.

Holmes cresceu no seio de uma família comum nos Estados Unidos. O pai, Christian Rasmus Holmes IV, foi vice-presidente da Enron – empresa de energia que mais tarde foi à falência após um escândalo de fraude. Para deixar a universidade e criar a sua própria empresa, Holmes inspirou-se na carreira médica do seu avô e num estágio de verão que realizou no Genome Institute of Singapore.

Comparada a Steve Jobs, Holmes adotou imagem do fundador da Apple e forjou uma persona falsa, exatamente como todo o seu negócio. Um look de gola alta, todo preto, um batom vermelho e uma voz estranha, tão fabricada como o estilo de vida que mantinha de forma a tornar-se relevante no mundo tecnológico.

Hoje em dia, Holmes optou por abandonar a aparência de jovem empresária e prefere ser chamada apenas de Liz. Casada e mãe de dois filhos, opta por cores neutras, uma maquilhagem simples e cabelos soltos. Sobre os documentários e séries que já fizeram sobre o seu caso, Holmes assume: “Eles estão a interpretar uma personagem que eu criei”, afirmou ao jornal The New York Times.