É cantora, compositora e multi-instrumentalista brasileira. Dona de músicas conhecidas em todo o mundo, ficou popular como a ‘rainha do samba’, ‘marrom’ e ‘a voz do samba’. Alcione esteve em Portugal para festejar 50 anos de carreira e relembrou os seus grandes sucessos.

A Alcione tem uma trajetória singular. Começou o seu caminho como professora primária. Algum dia pensou que a sua carreira ia estar neste patamar?
É verdade… O meu pai queria que eu fosse professora – era o sonho dele. Eu tinha de realizar esse desejo do meu pai primeiro. Só depois é que comecei a procurar o meu caminho para cantar.

Foi com a música ‘Não Deixe o Samba Morrer’ que consolidou a sua carreira?
Com certeza, porque essa música é imortal. A música chegou a todo o mundo logo quando entrou na rádio pela primeira vez. Fiquei 22 semanas em primeiro lugar.

Ao longo destes 50 anos teve vários momentos glorificantes e marcantes. Há algum que recorde com especial carinho?
Nossa senhora! [risos] Vivi muitos momentos especiais. A primeira vez que cantei na terra onde nasci – que também me atribuiu a chave da cidade -, o meu pai estava lá à minha espera com uma banda de música. Foi um acontecimento para a cidade! Foi um momento único, gostei muito. A primeira vez que eu saí do Brasil para cantar, também foi diferente para mim. Gostei bastante! 

A Alcione enfrentou inúmeros desafios ao longo do tempo. Ao fim destes anos todos, ainda continua a desafiar-se?
Todos os dias da minha vida são um desafio. A vida desafia-me sempre. Passámos por uma pandemia horrível – que felizmente foi embora – e tive de ficar dentro de casa, sem concertos nenhuns. A solução foi trazer os meus para minha casa. Quando era pequena era asmática, aprendi a tocar instrumentos de sopro e foi isso que me curou. Foram muitos desafios que enfrentei, muitos mesmo.

A Alcione atua em muitos países onde o público não compreende português. Ainda assim, consegue transmitir emoções às pessoas. É bonito, não é?
Muito! A música tem essa força, a música pode fazer esse milagre. A pessoa pode nem entender a tua língua, mas sabe que é algo que toca profundamente. É por isso que eu gosto da música e de cantar.

É conhecida também como ‘marrom’. Pode-nos contar o porquê dessa história?
Eu fiz uma viagem ao Nordeste com dois atores que são meus amigos – que até já faleceram – e eles chamavam-me de ‘marrom’, por causa da minha cor. A partir daí ficaram a chamar-me esse nome para sempre. Agradeço muito ao Costa e ao Rogério, foram eles que me apelidaram.

Qual é o segredo para uma carreira de tanto sucesso?
Acho que é o facto de ter um compromisso com o público. Temos de levar a sério aquilo que fazemos. Gosto muito do que faço e acho sério aquilo que faço. Cantar é algo que adoro. Fazer com que tenhamos credibilidade junto ao nosso público, é muito importante.  

Como é poder sentir o amor do público que a acompanha há tanto tempo?
É muito, muito, bom. Esse amor não se encontra em qualquer lugar, só no público. Conseguimos conquistá-los, uma coisa de alma para alma, de coração para coração. É muito bonito. 

‘Tijolo por Tijolo’ reflete um pouco da sua vida?
É verdade. [risos]

O português é um público muito exigente. Quando gosta de alguém gosta mesmo muito. Eu tive essa sorte

Porquê?
Porque “Mesmo que o mundo desabe na minha cabeça / Deixando em destroços minha construção / Enxugo meus olhos, recolho meus cacos / Me entrego de fato à minha oração / Pois de tudo posso em quem me fortalece / Há sempre um alguém p’ra lhe estender a mão / A vida é dura feito rapadura / Criatura, a vida é doce, mas não é mole não / É pôr a mão na massa e começar de novo / Tijolo por tijolo eu vou quebrando pedra” [diz, cantando]… É isto que eu penso e sou.

Está a celebrar 50 anos de carreira… Continua a sentir o peso da responsabilidade de entregar ao público algo que ele adore e se identifique?
Com certeza. Sempre será uma responsabilidade e obrigação do artista entregar ao seu público aquilo que ele quer.

Quando falamos de si, associamos muito ao empoderamento feminino. Adquiriu isso com a sua mãe. Pode contar-nos como isso aconteceu?
A minha mãe era empoderada. Ela lavava roupa e passava a ferro, só de fazer isso já era empoderada. Ela dizia: “Preciso de ter o meu dinheiro para comprar as minhas joias, anéis e pulseiras. Quero pagar as minhas contas, porque não quero nada do seu pai”. Ela nunca gostava de pedir nada ao meu pai, então ela ensinou-nos a fazermos coisas por e para nós.

E leva isso para a vida, certo?
Sim, para toda a minha vida!

Sente-se acolhida pelo público português?
Sempre me senti acolhida por este público. Sempre! Eu sou desta terra!

Já não é a primeira vez que vem a Portugal. O que a faz voltar?
O que me faz regressar é o amor, empatia e a forte ligação que tenho com este país. É muito bom.

Considera fácil colocar o público português com ‘samba nos pés’?
Não, não é nada fácil. [risos] 

Sente-se realizada enquanto mulher e artista?
Sim, sinto-me muito realizada enquanto mulher e artista. Agradeço a Deus todos os dias.

FONTED.R.