Fuzilada sob a acusação de servir como agente dupla, a vida desta dançarina, cortesã e espia permanece envolta em mistério. Através da excêntrica personagem que criou, Mata Hari tornou-se numa lenda, cuja história causa controvérsia e divide opiniões. 

Vestiu-se no seu melhor para morrer. Tinha sido acordada às cinco da manhã, na prisão imunda de Saint-Lazare, a sua casa nos últimos meses, e informada de que seria este o dia. 15 de outubro de 1917. Foi conduzida pelas ruas da capital francesa, cidade pela qual nutria grande carinho, rumo ao pelotão de doze soldados destinados para a fuzilar. Enfrentou-os sem vacilar. Não permitiu que a amarrassem à estaca, nem tão pouco que lhe vendassem os olhos. Acenou às freiras, que tinham sido o seu amparo na prisão, soprou um beijo de despedida. O sol nascia quando os tiros foram disparados, pondo fim à extraordinária vida de Mata Hari.  

Exótica e ‘felina’ 

A 7 de agosto de 1876, a Holanda viu nascer Margaretha Geertruida Zelle. Ainda adolescente, a vida complicou-se com a morte da mãe e cedo decidiu que a sexualidade seria o seu passaporte para a independência. Aos 19 desposou um capitão 21 anos mais velho, depois de ter respondido a um anúncio de jornal onde o militar procurava uma noiva, e mudou-se para a ilha de Java. Ao fim de nove anos, inúmeros maus tratos e dois filhos – um dos quais morto por envenenamento – Mata Hari viajou para Paris, onde se tornou amante de um diplomata, que a encorajou a fazer carreira como dançarina. 

Na capital francesa do início da década de 1900, a temática oriental estava muito em voga e Mata Hari soube usar as tendências a seu favor. A aparência exótica e o conhecimento adquirido em Java ajudaram-na a moldar-se numa dançarina indiana, envolta em véus, que aliava a sensualidade à arte e à mística. As críticas qualificavam-na como “felina, extremamente feminina, com as curvas do corpo a bambolearem em milhares de ritmos”. Várias histórias alimentavam a imprensa, dizendo que Mata Hari era filha de uma dançarina de um templo indiano ou que tinha crescido na selva em Java. A sua vida tornou-se numa performance sem fim e, em 1908, todos aqueles que eram ‘alguém’ na Europa já a tinham visto dançar pelo menos uma vez.

A cortesã espia

Quando a I Guerra Mundial rebentou, em 1914, Mata Hari recebeu a visita do cônsul alemão Karl Kroemer, na Holanda, com o pretexto de que estava a recrutar espiões. Deu-lhe um nome de código e 20 mil francos, que Mata Hari aceitou sem, no entanto, levar o cônsul a sério. Regressou a Paris e à sua vida de luxo e glamour, sem suspeitar que atraíra as atenções dos serviços secretos britânicos e franceses. Apaixonada por um jovem capitão russo, que ficara cego de um olho em batalha, Mata Hari estava determinada a angariar dinheiro para o sustentar. Para tal, aceitou tornar-se espia, mas a favor da França. A missão que lhe foi designada, de obter informações de um capitão germânico, acabou por ditar a sua sorte, sendo acusada de entregar os segredos franceses nos encontros com o alemão. A 13 de fevereiro de 1917, Mata Hari foi detida. 

“Uma cortesã, admito. Uma espia, nunca! Sempre vivi para o amor e prazer”, terá dito durante o interrogatório em tribunal. No entanto, a opinião do juiz já estava formada, convicto da sua culpa, apesar de não existir nada em concreto que o provasse. “Sem escrúpulos, acostumada a usar os homens, é o tipo de mulher que nasceu para ser espia”, foram as conclusões da acusação. Bastaram 45 minutos de deliberações para chegar ao veredicto: culpada e condenada à morte por fuzilamento. Apenas trinta anos passados após a sua execução, um dos advogados de acusação acabou por admitir que, na verdade, “não havia provas suficientes sequer para mandar açoitar um gato”.