Lília Alexandre
Lília Alexandre
Doutora em Engenharia do Ambiente e Docente Universitária (ISEC Lisboa)

“O superconsumo e o superdesenvolvimento vampírico, a exploração insustentável dos recursos hídricos, a poluição e o aquecimento global descontrolado estão a esgotar, gota a gota, esta fonte de vida da Humanidade”, alertou o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, no prefácio do ‘2023 United Nations World Water Development Report’ 1 lançado na abertura da Conferência da ONU sobre a Água, que decorreu entre 22 e 24 de março de 2023, em Nova Iorque.

O relatório da UNESCO e UN-Water destaca o risco iminente de uma crise global da água. Água insuficiente em alguns locais (agravado também pelas secas) e demais noutros, devido ao aumento das cheias e inundações; água poluída por produtos farmacêuticos, químicos, pesticidas, microplásticos ou nanomateriais; ou água contaminada devido à ausência ou deficiência de sistemas de saneamento 1.

Relativamente à disponibilidade da água, aproximadamente 10% da população mundial vive num país onde o stresse hídrico atingiu um nível alto ou crítico. De acordo com os especialistas da ONU, no Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), cerca de metade da população mundial sofre de “escassez grave” de água durante pelo menos parte do ano. Estima-se que a população urbana global que já enfrenta escassez de água deva atingir 1,7 a 2,4 mil milhões de pessoas em 2050. Este cenário representa graves riscos para saúde e meios de subsistência, principalmente da segurança alimentar e do acesso à eletricidade. Centenas de milhões de pessoas carecem de acesso a água potável e saneamento 2.

Mais de um quarto das pessoas em todo o mundo (26% da população global) sofrem com a falta de água potável, o correspondente a 2 mil milhões de pessoas, problema que pode atingir 2,4 mil milhões de pessoas até 2050. Cerca de 46% dos habitantes do planeta não possuem serviços de saneamento seguros, o equivalente a 3,6 mil milhões e cerca de um terço das pessoas (2,3 mil milhões) não tem instalações básicas para lavar as mãos. Mais de 80% das águas residuais são devolvidas ao ambiente sem serem tratadas ou reutilizadas 2,3.

Da crise global da água
© D.R.

Se nada for feito, entre 40 e 50% da população continuará sem acesso aos serviços de saneamento e cerca de 20 a 25% não terá água potável. Numa tentativa de inverter esta tendência, em 2015, a comunidade internacional estabeleceu uma meta para 2030 – no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU – para fornecer água limpa e saneamento para todos (ODS 6). No entanto, nas taxas atuais de melhoria, em 2030, 1,6 mil milhões de pessoas ainda não terão água potável em casa e apenas 67% das pessoas terão saneamento básico 4,5.

Da crise global da água_1
© D.R.

A primeira conferência da ONU sobre a água em quase 50 anos, fará diferença?

evento, que juntou mais de 10 mil participantes, alertou para a crise hídrica mundial, apelando à urgente necessidade de intensificar a criação e implementação de medidas que garantam o acesso equitativo a água potável e ao saneamento em todo o mundo. Para alcançar este objetivo, o líder da ONU destacou as principais mudanças a realizar: reforçar o papel da água enquanto direito humano fundamental; reduzir as pressões sobre o sistema hídrico; desenvolver novos sistemas alimentares alternativos para reduzir o uso insustentável de água na produção de alimentos e na agricultura; integrar abordagens sobre a água, ecossistemas e clima para reduzir as emissões de gases de efeito estufa; e implementar um novo sistema mundial de informação sobre a água que ajude a orientar o estabelecimento de planos e prioridades até 2030.

A conferência da água que decorreu a meio da década de Ação da Água da ONU, representou (espera-se) um esforço global para evitar uma crise de água iminente.

 

FONTE© Envato