Assinala-se hoje o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto.
No Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, a ‘Share’ falou com Irene Pimentel, 77 anos após a libertação do campo de concentração de Auschwitz. A banalização do Holocausto, lugares-comuns sobre o tema e fenómenos populistas foram alguns dos tópicos abordados pela historiadora.
D.R.
Irene Pimentel é historiadora e autora de várias publicações sobre o Holocausto
Nos últimos anos, dezenas de livros foram publicados em Portugal sobre o Holocausto. Acha que estamos perante uma banalização deste período negro da História? Que é abordado de forma superficial?
Penso que sim, há uma tendência para a banalização do Holocausto, com aqueles livros de ficção ou ficção histórica, em que a palavra Holocausto ou Auschwitz no título é considerada como um produto de marketing, ‘O tatuador de Auschwitz’, ‘O professor de Auschwitz’, ‘O pianista de Auschwitz’, por aí fora… Ao mesmo tempo, penso que não há muito trabalho historiográfico sobre o próprio acontecimento. Foi um bocadinho por causa disso que eu fiz, em 2020, o livro ‘Holocausto’, para desfazer lugares-comuns e ideias feitas que surgem sempre quando se simplifica e banaliza um tema tão complexo.
Com “ideias feitas” refere-se a quê? As pessoas têm uma ideia errada do que se passou?
Penso que as pessoas sabem basicamente que aconteceu um genocídio e que os nazis escolheram acabar com todos os judeus a nível europeu. Um objetivo que acabaram por conseguir, em parte, ao matar seis milhões de judeus, no entanto, o objetivo era matar 11 milhões, inclusive nos países neutrais, como Portugal. Vou dar-lhe um exemplo dos muitos lugares-comuns ou ideias feitas, que é a confusão entre campos de concentração e centros de extermínio. Uma coisa foram campos de concentração, onde foram concentrados e encarcerados adversários políticos e religiosos do regime nazi e alguns judeus. Outra coisa foram os centros de morte – que só serviram para isso, nem sequer foram campos. As vítimas entravam num dia e nesse próprio dia a maioria já era assassinada.
Foi detida esta semana uma turista por fazer a saudação nazi em Auschwitz. As pessoas estão a perder a noção do que ali se passou?
Penso que sim. Isto é um paradoxo, talvez seja dos temas mais falados em todos os países do mundo, mas há a tal banalização através de ficção histórica, filmes, séries de TV, documentários e, ao mesmo tempo, há uma dessensibilização relativamente ao que se passou. Vou contar-lhe um episódio, um historiador perguntou a um dirigente nazi: ‘Não têm receio de serem castigados pelo que estão a fazer e mal vistos no futuro pela História?’. E o nazi respondeu: ‘Um morto é uma coisa horrível e uma tragédia, milhões de mortos são uma estatística’.
Não se dar nomes às pessoas, não mostrar as identidade das que foram assassinadas… O grosso das pessoas que foram assassinadas eram bebés. Porque os nazis tinham aquela noção que se deixassem viver os bebés e as crianças, então eles vingar-se-iam depois mais tarde dos alemães. Quando estive em Auschwitz, vi que as pessoas passeiam por ali como se estivessem na Disneylândia, fazem fotografias, há uma ausência completa de respeito… E que haja alguém que tenha feito agora a saudação nazi no campo, isso é o horror dos horrores.
De que forma se deve preservar a memória das vítimas do Holocausto para que não caia no esquecimento? O testemunho dos sobreviventes é fulcral, mas já restam poucos…
Se não conhecermos o passado não podemos escolher os caminhos do presente e do futuro
Já cá estão muito poucos sim. A libertação de Auschwitz já foi há 77 anos, portanto os testemunhos são cada vez menos. É verdade que há outras formas, por exemplo, Spielberg constituiu um arquivo filmográfico com muitos testemunhos de pessoas que, entretanto, já morreram. Depois é importante continuar a escrever História, continuar a fazer documentários, filmes, que a comunicação social pegue neste assunto… As escolas e os professores que levem a cabo iniciativas, inclusive com viagens de estudo à Polónia, a Auschwitz, e isto é só uma pequena acha na fogueira, porque as pessoas têm tendência a achar que o presente e o futuro é que contam, mas se não conhecermos o passado não podemos escolher os caminhos do presente e do futuro.
Os fenómenos populistas e os discursos de ódio têm vindo a acentuar-se…
Absolutamente e, o pior de tudo, com apoio de muitas pessoas. São movimentos tal como o Partido Nacional Socialista alemão, que também era populista. As pessoas esquecem-se disso, são partidos que vão puxar pelas partes egoístas e terríveis do ser humano, assumindo como bode expiatório e responsáveis por tudo uma determinada etnia. Aqui em Portugal, por exemplo, há um grupo que escolheu os ciganos.
As ideias radicais atraem as pessoas em vez de as chocar.
Sobretudo quando são ideias exclusivas, no sentido de excluir pessoas. Os nazis consideraram que os judeus não eram merecedores de viver neste planeta, como se os nazis fossem deuses e decidissem quem é que tinha direito ou não a viver. E essas ideias continuam a acontecer. Continuamos a ter grupos que só atiçam o ódio e o egoísmo que há em cada pessoa, quando temos é de enriquecer a empatia. Aquele outro está a ser perseguido, mas podia ter sido ou posso vir a ser eu.
Considera que a punição dada aos autores do Holocausto foi suficiente?
Continuamos a ter grupos que só atiçam o ódio e o egoísmo que há em cada pessoa, quando temos é de enriquecer a empatia
O que se escolheu foram aquelas grandes figuras que, na altura, se conseguiu julgar, no julgamento de Nuremberga. Isso foi um marco histórico, mostrando que mesmo que pessoas que tiveram poder são passíveis de serem punidas. Mas quando há um crime desta envergadura, como foi o Holocausto, aquilo não foi perpetrado por meia dúzia de pessoas, ou de loucos, doentes ou psicopatas, aquilo foi levado a cabo por dirigentes e teve milhões de cúmplices, que esconderam o que fizeram e continuaram a viver as suas vidinhas. A História foi varrida para debaixo do tapete e isso dá sempre mau resultado, porque surge depois de forma monstruosa, como sabe, já houve repetições de outros genocídios.
Primo Levi, sobrevivente de Auschwitz e escritor, disse: “Se aconteceu, pode voltar a acontecer.” Concorda?
Claro. O Holocausto tinha poucos precedentes, tinha havido a tentativa de extermínio dos arménios, o colonialismo em África que também levou a genocídios… Mas um país da Europa, com grandes intelectuais, filósofos, poetas, escritores, cientistas… que tenha sido possível realizar um crime desta magnitude era qualquer coisa sem precedentes e foi muito difícil compreender o que se tinha passado. Só depois do final da Segunda Guerra Mundial se compreendeu verdadeiramente. Agora temos esse e outros antecedentes e, como é óbvio, pode sempre voltar a acontecer, uma vez que já aconteceu.
Museu do Campo de Concentração de Auschwitz em Oświęcim, Polónia. Mostra parte de uma enorme pilha de sapatos infantis roubados pelos alemães aos judeus que chegavam ao campo de concentração - foram preservados como exposição do museu.
Museu do Campo de Concentração de Auschwitz em Oświęcim, Polónia. Mostra parte de uma enorme pilha de malas, ainda com os nomes dos proprietários, roubadas pelos alemães aos judeus que chegavam ao campo de concentração - foram preservadas como exposição do museu.
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