A atrofia muscular espinhal passou a estar incluída no ‘teste do pezinho’. O Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) iniciou há poucos dias um teste-piloto para rastrear esta doença genética rara logo à nascença. As vantagens podem vir a ser muitas, já que quanto mais cedo se inicia o tratamento, mais resultados positivos se observam nas crianças diagnosticadas.

É o que demonstra o caso do pequeno Miguel. Diagnosticado aos três meses, foi, pelo menos à época, o bebé mais novo a tomar o Zolgensma e os resultados foram imediatos, como explica a mãe, Jéssica Oliveira. “Logo no terceiro dia de internamento pós-Zolgensma, ele levantou os braços, abanava as pernas quando antes não as mexia… Foi uma mudança nítida. Parecia mesmo um milagre.”

A toma atempada do conhecido medicamento mais caro do mundo permitiu, por exemplo, que conseguisse comer sozinho. Mesmo assim, hoje com vinte meses, Miguel tem ainda várias limitações: “Ele não consegue ficar de pé, depende de uma pessoa para andar, para se virar durante a noite, ele usa também um ventilador para dormir… Felizmente come muito bem, come sozinho, porque tomou a medicação a tempo.”

Atrofia muscular espinhal integra teste do pezinho
Jéssica Oliveira e o filho Miguel | © Record TV Europa

Mas não foi fácil. Perante os primeiros sinais, nenhum médico valorizou as suspeitas da mãe. “Estavámos em casa, com quinze dias de vida, e notei que o Miguel tinha deixado de mexer as pernas. E insisti na primeira consulta e o médico disse que era normal por ele ter nascido de ventosa, poderia ter afetado algo e que iria melhorar. Mas não foi o que aconteceu. Na consulta dos dois meses, insisti e disse que só saía de lá se o meu filho fosse visto por um especialista. Eu sabia que o meu filho tinha alguma coisa, só não sabia o quê.”

Como tantas outras mães, Jéssica, que vive na Amadora, questiona-se como estaria o filho se tivesse sido diagnosticado logo à nascença. Talvez não precisasse do ventilador ou já andasse sozinho. É exatamente isso que pode a partir de agora mudar. Após mais de dois anos de preparação, a atrofia muscular espinhal passa a fazer parte do conhecido ‘teste do pezinho’, ainda que inicialmente de um modo experimental.

Significa assim que a doença genética é rastreada através da análise ao sangue do recém-nascido, à semelhança do que acontecia já com 26 patologias. As vantagens de uma descoberta precoce podem ser muitas, como refere José Pedro Vieira, neuropediatra do Hospital D. Estefânia, experiente na patologia. “Este rastreio vai identificar os bebés na segunda semana de vida, o que vai fazer com que os tratamentos iniciem à quarta semana de vida. Ora, temos uma evidência enorme de vários estudos, até internacionais, de que aqueles que já manifestam sintomas da doença quanto mais cedo são tratados melhor o resultado. E naqueles que ainda não manifestam a doença, o tratamento produz um estado próximo da cura. Portanto, temos toda a expetativa de que este diagnóstico neonatal faça uma diferença enorme.”

Estudo-piloto exige 100 mil casos e poderá durar dois anos

Portugal está assim entre os primeiros países a ter um rastreio nacional à doença, já que nos poucos territórios onde tal acontece, o despiste é realizado a nível regional. Para já, vai ser feito através de um teste piloto a pelo menos cem mil bebés, o que pode demorar cerca de um ano e meio a dois. Foi preciso envolver os espaços de saúde onde a colheita é feita e elaborar documentação para informar os pais envolvidos. O Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, responsável pelo ‘teste do pezinho’, vai nesta fase inicial quantificar o número de casos positivos a esta patologia rara e identificar possíveis problemas que possam surgir.

“Com este estudo, vamos procurar perceber se está tudo a correr bem, se há falhas, o que é preciso mudar. Depois, se a casuística corresponde àquela que nós pensamos de um caso para dez mil nascimentos e depois adaptar os centros de saúde e os pais a este despiste”, explica o presidente do INSA, Fernando Almeida.

Foram necessários dois anos de procedimentos, verificação de critérios, preparação, observação da experiência internacional e até obras no laboratório do Porto, onde são realizados todos os ‘testes do pezinho’ do país. Um processo que contou com o empenho da Associação Portuguesa de Neuromusculares. “Não foi propriamente uma luta, eu acho que foi uma concertação de posições que durou dois anos e meio. Foi um processo fácil, sem grandes entraves, porque estava tudo bem documentado e toda a gente de acordo quanto à urgência de avançar com este rastreio”, assume Joaquim Brites, presidente do organismo.

Atrofia muscular espinhal conhecida com o caso da bebé Matilde

A atrofia muscular espinhal é uma das doenças genéticas raras mais comuns e mais complicadas. Quando detetada até aos seis meses, falamos do tipo 1, a mais grave. O tipo 2 pode ser identificado até aos dezoito meses, enquanto o tipo 3 poderá só dar sinais em criança ou mesmo na adolescência. Há ainda o tipo 4, que é visível apenas na fase adulta, e que é considerado o menos grave. Em todos eles, o que se passa é que a falta de uma proteína num gene faz enfraquecer os músculos, dia após dia, afetando atos corporais tão simples como comer, andar, falar e mesmo respirar. Tudo isto, enquanto a parte intelectual continua intacta, ou seja, no normal das suas capacidades.

A nível nacional, a atrofia muscular espinhal afeta perto de 150 pessoas

A doença tornou-se conhecida com o caso da bebé Matilde, há três anos. Na altura, a batalha era pela aquisição do medicamento considerado o mais caro do mundo por custar perto de dois milhões de euros, mas que poderia fazer milagres nestas crianças. Nomeadamente traduzir-se na sobrevivência dos diagnosticados com a doença. O fármaco foi aprovado e é atualmente pago pelo Estado. Matilde foi a primeira a tomá-lo, a par de Natália.

Hoje com quatro anos já vai à escola, como conta a mãe, Andrea Santos, residente em Loures. “Os primeiros anos de vida da minha filha foram passados no hospital. Hoje, eu vejo a minha filha como uma heroína, porque ela vai à escola. O maior orgulho é de ver a minha filha na escola. Nunca pensei que tal acontecesse, sou bem sincera, eu pensei que ia perder a minha filha.”

Atrofia muscular espinhal integra teste do pezinho
A atrofia muscular espinhal teve forte cobertura mediática com o caso da bebé Matilde | © Record TV Europa

Apesar de serem casos diferentes, tanto Natália como Miguel fazem semanalmente vários tipos de terapias para não estagnarem e continuarem a evoluir a nível motor. 

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Andrea Santos e a filha Natália | © Record TV Europa

Um enorme esforço financeiro para estas famílias, que dependem, muitas vezes, de dádivas. Por isso, recentemente estas mães uniram-se e criaram a ANAME – Associação Nacional de Atrofia Muscular Espinhal, que tem como presidente a mãe da Matilde e como vice Andrea, mãe da Natália. O organismo, com quase 30 associados, quer também servir para a partilha de experiências entre os familiares dos doentes, incluindo, o apoio psicológico.

FONTE© Envato