É o desporto nacional da Tailândia e um dos seus maiores cartões de visita. Nos últimos anos, a popularidade do muay thai ultrapassou as fronteiras do reino e hoje tem praticantes em todo o mundo. Eficaz e demolidor, em breve, pode vir a ser modalidade Olímpica.

Punhos, pernas, cotovelos e joelhos. Desde os oito anos que Buakaw Banchamek, a principal estrela do muay thai mundial da atualidade, faz uso destas partes do corpo para se superiorizar aos adversários em combates da arte que o levaram a mudar-se para Banguecoque, aos 15 anos, e a perseguir o sonho de se tornar campeão da modalidade. Antes dos 20 já tinha conquistado o cinto de melhor da sua categoria de peso no estádio Lumpinee – que a par do estádio Rajadamnern, ambos na capital tailandesa, dão nome aos títulos mais prestigiados do país.

Mas foi em 2004 que a carreira de Buakaw deu o salto decisivo, na final do K1 World Max – torneio que juntou atletas de várias nacionalidades, em representação de estilos de luta diferentes -, frente ao kickboxer japonês Masato, o campeão em título, considerado o superfavorito.

A vitória de Buakaw catapultou-o para a ribalta internacional dos desportos de combate. Com regras mais próximas do kickboxing – modalidade que junta boxe com golpes de pernas, incluindo pontapés abaixo da cintura (low kicks) -, este torneio de K1, embora não permitisse a utilização dos cotovelos, possibilitava golpes com os joelhos, aproximando esta competição de um embate de muay thai.

Ao mesmo tempo que o triunfo no torneio japonês deu a conhecer o desconhecido tailandês, também a transmissão televisiva para uma audiência global de milhões de telespectadores promoveu o muay thai fora da Tailândia.

Fuga à pobreza

Hoje, aos 39 anos, Buakaw – cujo nome de nascimento é Sombat Banchamek – continua ativo e a lutar um pouco por todo o mundo. Com perto de 300 combates como profissional, depois da vitória surpreendente no K1 World Max de 2004 – em 2006, voltaria a vencer o torneio, após no ano anterior ter perdido a final frente ao neerlandês Andy Souwer – a estrela tailandesa praticamente não voltou a defrontar outros compatriotas.

Buakaw é atualmente um ‘embaixador internacional’ do muay thai, combatendo sobretudo com lutadores estrangeiros fora da Tailândia

Apostou antes numa carreira internacional, convertendo-se num verdadeiro ‘embaixador’ da ‘arte dos oito limbos’ – assim chamada por permitir o contacto com os dois punhos, cotovelos, joelhos e pernas, ao contrário, por exemplo, do boxe onde apenas se pode usar as mãos e do kickboxing que possibilita atacar com mãos e pernas.

No início dos seus combates, e em sinal de respeito e homenagem ao monarca da Tailândia, Buakaw sobe ao ringue segurando uma fotografia do rei – Bhumibol Adulyadej até 2016 e, de lá para cá, do seu filho, Maha Vajiralongkorn, o atual soberano do país.

Antes de Buakaw ter alcançado o estatuto de estrela nos desportos de combate, há muito que o muay thai já era a principal modalidade desportiva da Tailândia. Ela é praticada desde cedo por milhões de jovens que veem nesta atividade uma possibilidade de fuga à quase certa pobreza.

Buakaw Banchamek
Buakaw Banchamek | © D.R.

Fábricas de campeões

Tal como o jovem Buakaw ambicionou em criança ir para Banguecoque e tornar-se num campeão, o sonho de muitos jovens continua, hoje, a ser o mesmo: chegar à capital e conseguir uma carreira como lutador profissional.

Na Tailândia, os combates de muay thai  são frequentes e podem acontecer numa pequena aldeia ou num grande estádio da capital Banguecoque

Existem milhões de praticantes em todo país, o que faz com que seja comum que os lutadores antes de atingirem os vinte anos já tenham mais de uma centena de combates.

Para eles o muay thai é uma paixão e um passaporte para uma vida melhor, motivos que os leva a treinar com afinco. De outra forma sabem que não irão conseguir atingir o nível de excelência atlética que lhes poderá proporcionar a si e às suas famílias uma vida melhor. Mesmo nas regiões mais remotas existem ginásios de muay thai, para que os jovens aprendizes evoluam nesta arte marcial milenar.

Turismo desportivo

O muay thai tornou-se globalmente conhecido com Buakaw, mas já antes a Tailândia era destino para muitos praticantes de artes marciais estrangeiros que queriam aprender com os mestres locais. Mais tarde, regressados aos seus países de origem, partilhavam os ensinamentos e conquistavam mais adeptos para a modalidade.

Mas, se há uns anos ensinar muay thai a estrangeiros despertava resistência nos locais – pois não queriam transmitir aquilo que era ‘seu’ a pessoas vindas de ‘fora’ -, hoje a arte marcial é encarada como um importante ativo para a economia tailandesa, e constitui uma aposta forte do Ministério do Turismo e do Desporto.

O crescente interesse internacional por este estilo de luta originou uma extensa oferta de ginásios onde é possível para um não tailandês aprender a ‘arte’

O aumento da procura possibilitou a criação de um ‘mercado do muay thai’, alimentado por turistas que buscam aprender ou atletas que querem aperfeiçoar os seus conhecimentos neste desporto, para além de possibilitar aos tailandeses mais oportunidades de emprego.

Esta economia que tem um impacto significativo no PIB do país, engloba combates, apostas, ginásios, aulas, venda de materiais para a prática da modalidade, direitos televisivos, etc. É o desporto nacional da Tailândia, com um impacto semelhante àquele que tem por cá o futebol. 

Destinos paradisíacos como as ilhas Phuket ou Phi Phi, tradicionalmente mais conhecidos pelas suas praias, têm hoje locais onde é possível dar os primeiros passos no muay thai, sendo que os treinos muitas vezes têm como palco os próprios areais. 

Férias a treinar

Com quase 70 milhões de habitantes, a Tailândia é um país agrícola e perto de metade da população ativa trabalha nos campos – é inclusive o segundo maior exportador mundial de arroz, atrás da Índia.

O fabrico de aparelhos e componentes elétricos e eletrónicos, para além de veículos – é a maior indústria automóvel no sudeste asiático -, constituem também áreas económicas importantes da Tailândia

O turismo representa perto de 10% da economia do país, que dispõe de centenas de ilhas, clima tropical e muitas atrações naturais. Porém, nos últimos dez anos o reino tem conseguido captar o interesse de milhares de turistas, que encontram no país uma mistura de sol, praia, diversão e muay thai.

Depois há também uma larga parte de estrangeiros que planeia a sua ida ao país meticulosamente, investindo as poupanças amealhadas durante o ano para passar as férias a treinar e a aperfeiçoar aquele que é o desporto de eleição nos ginásios tailandeses.

Devido ao clima tropical, o conceito de ‘ginásio’ consiste frequentemente numa estrutura ampla sem paredes, com um ringue e vários locais de treino, por onde o ar circula livremente para que os praticantes possam enfrentar melhor o clima quente e húmido.

Estes espaços têm vários colaboradores locais, com conhecimentos de muay thai, que acompanham os treinos, muitas vezes bidiários, compostos por uma sessão que começa com uma corrida ainda de madrugada, à qual se seguem treinos físicos e de apuramento técnico. A dose é repetida à tarde, após o almoço e um período de descanso em que os atletas podem dormir para retemperar energias.

Buakaw Banchamek | © D.R.

Ex-campeões, atuais mestres

Os ginásios – bem diferentes dos que existem no Ocidente – são uma parte fundamental na vida dos atletas tailandeses de muay thai, já que é lá que passam grande parte dos seus dias. Muitos, sobretudo aqueles provenientes de zonas mais remotas e estão empenhados na busca do sonho de serem campeões, chegam mesmo a viver nas instalações onde treinam. Por outro lado, os atletas incluem o nome do ginásio no seu ‘nome de ringue’, numa homenagem à equipa que representam. 

Embora o caso dos turistas-atletas seja distinto, por exemplo, dos atletas profissionais – que vão à Tailândia estagiar com o intuito de evoluírem e aperfeiçoarem a sua parte técnica junto dos melhores -, ambos estão unidos pela mesma paixão pelos desportos de combate, sentimento que os leva a fazer um sem número de sacrifícios para poderem desfrutar de um estilo de vida ‘100% muay thai’.

Para ajudar nessa experiência – que pode custar a partir de 200 euros por semana, conforme a reputação dos ginásios, relacionada diretamente com a quantidade de campeões que formaram, e pela qualidade e a localização das instalações – os melhores têm ex-campeões entre a sua equipa de treinadores, que ministram partes específicas dos treinos, passando aos alunos algumas das técnicas que os ajudaram a conquistar títulos.

Ataques contundentes

Considerada uma arte marcial completa e eficaz – os cotovelos e os joelhos usados em ataque são, possivelmente, as partes do corpo mais contundentes num confronto -, o muay thai tem conquistado cada vez mais espaço nas competições internacionais que juntam várias modalidades de luta. Por exemplo, nas mixed martial arts (MMA) a capacidade de ataque que um atleta demonstra é, normalmente, decisiva para a vitória final. Nestas competições os lutadores dominam várias artes marciais, o que lhes proporciona um amplo conjunto de soluções para vencerem, seja em pé ou no chão, já que o objetivo é deixar o adversário KO, fazê-lo desistir ou levar o árbitro a declarar o fim do embate. E, neste campo, pelas suas características de ataque e defesa, o muay thai é um recurso bastante utilizado.

Os dois atletas mais prestigiados da atualidade são Buakaw e Saenchai, dois tailandeses que são autênticos embaixadores desta arte marcial no estrangeiro  

Entre vários outros atletas, o brasileiro ex-campeão do Ultimate Fighting Championship (UFC) Anderson Silva – considerado um dos melhores atletas de sempre desta competição – fazia do muay thai a sua principal arma. O vasto arsenal desta modalidade coloca-a numa posição de destaque face a outras artes marciais e desportos de combate, como o karaté, boxe ou kickboxing, pelo que é considerada uma das formas mais eficazes de ataque.

Mas se Buakaw é a superestrela que deu visibilidade internacional ao muay thai, Saenchai é mais um dos lutadores que entram na categoria dos ‘melhores de todos os tempos’. Apesar da sua baixa estatura (1,68 cm), o atleta de 41 anos continua a ser uma das estrelas mundiais da modalidade, com mais de trezentos combates e uma carreira recheada de títulos.

Saenchai
Saenchai | © D.R.

A sua última derrota remonta a outubro de 2014, frente a um compatriota, mas desde essa data subiu ao ringue mais de sessenta vezes, sempre com adversários estrangeiros. Com uma técnica apuradíssima, é comum ver o ‘show man‘ Saenchai ‘brincar’ com os adversários, a quem regra geral ganha com relativa facilidade. Tem ainda a particularidade de ter vencido títulos no campeonato de Lumpinee em várias categorias de peso e, ainda hoje, defronta opositores mais pesados do que ele – o seu peso ronda os 65 kg. 

Embora existam outros nomes que figuram no ‘corredor da glória’ da modalidade, as carreiras destes dois atletas colocam-nos, sem sombra de dúvida, no topo dos melhores de sempre. Apesar de nunca se terem defrontado, muitas vezes coloca-se a pergunta ‘qual será o melhor?’.

A resposta afigura-se difícil, pois, fazendo um paralelismo com o mundo do futebol, seria como escolher entre Cristiano Ronaldo e Lionel Messi.