Eu não me sentia bem. Estava sempre com náuseas, custava-me muito pegar no bebé, porque doía-me a barriga, mas pensei que fosse normal num pós-parto. Todos os dias ia tendo efetivamente perdas de sangue, como se fosse um bocadinho de menstruação. Nada me alarmou até que um dia estava na rua e fiquei com as calças todas sujas de sangue.”

Sombras do parto
Elsa Pereira e Guilherme | © Record TV

Elsa decidiu então dirigir-se às urgências para perceber o que estava a acontecer. A médica de serviço desvalorizou a perda de sangue e pediu-lhe que aguardasse pela consulta do pós-parto. Ela cumpriu as indicações, sem imaginar o que viria dois dias depois.

“Estava em casa sozinha com o bebé e começo a sentir-me mal outra vez. Sinto um borbulhar dentro de mim. Olhei para baixo e estava a deitar imenso sangue. Agarrei no telemóvel, fui a correr para a casa de banho e perdi bocados de sangue, de placenta… Na pequena lucidez que tive, liguei ao 112, à minha mãe e desmaiei. Ela veio e quando chegou encontrou um cenário horrível, tudo cheio de sangue e eu a esvair-me na casa de banho. Estive 20 minutos a perder sangue. Mais um bocadinho e eu não estava aqui…”.

Elsa por minutos não perdeu a vida. Foi transportada de urgência para o hospital, onde descobriu que tinha ficado com restos de placenta dentro do útero praticamente um mês depois de ter dado à luz. Foi submetida a duas raspagens do útero e duas anestesias gerais em apenas 15 dias. A primeira foi mal realizada e os restos da placenta permaneceram no interior do seu corpo, tendo corrido o risco de contrair uma septicemia (infeção generalizada). “Só pensava que mais um bocadinho e perdia a minha vida… e o Gui nunca ia saber o quanto eu gosto dele”, relembra, a chorar.

Carla Santos, da APDMGP, revela que não há números factuais de violência obstétrica em Portugal, porque as mães ainda não têm consciência daquilo que lhes terá acontecido. Na altura de apurar responsabilidades, estas mulheres dizem ter pela frente uma nova luta, que nem todas querem travar.

Sombras do parto
Carla Santos, representante da Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto | © Record TV

“A gravidez não nos retira direitos. A partir do momento em que nós vamos para o hospital numa urgência para ter um bebé, não estamos a prescindir dos nossos direitos, estamos a precisar mais do que nunca deles, porque estamos num estado de vulnerabilidade muito grande. A parte mais difícil é comprovar que existiu violência obstétrica, porque normalmente quando acontece as mulheres estão sozinhas. Portanto, é uma mulher a dizer que foi vítima de violência obstétrica contra uma equipa, que depois vai argumentar que foi necessário tal procedimento ou alegar que houve uma urgência”, reitera.

Sem dinheiro para o tribunal

As queixas de vítimas de violência durante o parto têm-se tornado mais frequentes. Raramente chegam a tribunal porque a maioria das mulheres desconhece os seus direitos, o que condiciona a tomada de decisões informadas. No decorrer desta reportagem, contactámos vários obstetras, que recusaram fazer qualquer comentário sobre o assunto.

Tânia e Soraia deixaram o caso cair por terra, não avançando com nenhuma queixa contra a equipa médica que as atendeu naquele que deveria ter sido um dos dias mais felizes das suas vidas. “É muito doloroso para os pais que têm de reviver aquilo a toda a hora e eu não tinha provas. Era a minha palavra contra a dele [o médico]. Eu ia dizer que ele poderia ter agido de outra forma e ele ia sempre afirmar que não”, conta Tânia. 

Soraia também acabou por desistir: “Fiz queixa na Ordem dos Médicos para seguir com o processo em tribunal, só que por motivos económicos eu não consigo dar seguimento na justiça”.

Em sentido contrário, Elsa decidiu seguir com o processo até às últimas instâncias, recorrendo a um advogado e diz sentir-se preparada ‘para o que der e vier’. “O meu advogado diz que o processo vai ser moroso, mas eu estou preparada. Durante muito tempo, chorava todas as noites porque ia perdendo a oportunidade de criar o meu filho. Estava preparada quase que para morrer, só não queria era deixar o meu filho…”.

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FONTE© Envato