Costa advertiu que efeito de ricochete de falsas promessas pode ter consequências dramáticas.
O primeiro-ministro afirmou hoje que a União Europeia, nas atuais condições institucionais e orçamentais, não tem capacidade para cumprir as expectativas de alargamento e advertiu que o efeito de ricochete de falsas promessas pode ter consequências dramáticas.
Esta advertência foi transmitida por António Costa na abertura de uma conferência da CNN/Portugal, no Parque das Nações, em Lisboa, numa intervenção em que apontou como via o reforço do caminho para uma União Europeia com geometrias variáveis e em que também avisou a nova Comunidade Política Europeia não retirará a pressão dos países candidatos ao alargamento.
No seu discurso, com cerca de 30 minutos, depois de defender a reforma das Nações Unidas – com o alargamento do Conselho de Segurança e o fim do direito de veto de nações em causa própria -, o líder do executivo referiu-se de forma desenvolvida à atual conjuntura de guerra na Ucrânia.
“Esta crise colocou no centro do debate a questão do alargamento – e colocou-a de uma forma dramática relativamente à Ucrânia, mas, por arrastamento, também relativamente às múltiplas promessas que ao longo dos anos foram sendo feitas pela União Europeia, criando expectativas, designadamente nos países do Balcãs Ocidentais. Ora, a União Europeia tem critérios muito claros para a adesão dos novos Estados-membros, mas, infelizmente, não tem critérios para a sua própria capacidade para acolher novos Estados-membros”, apontou.
Neste contexto, o primeiro-ministro transmitiu a sua posição de princípio: “Sejamos claros, com a atual estrutura institucional, com a atual arquitetura orçamental, a União Europeia não tem condições para cumprir as expectativas que agora está a criar”.
Para António Costa, se as expectativas que alguns responsáveis europeus criam “são um mero gesto político de ocasião, então a União Europeia arrisca-se a multiplicar em todo o leste europeu aquilo que já aconteceu com décadas de falta de expectativas relativamente à Turquia”.
“E o efeito de ricochete destas expectativas será um enorme drama a curto prazo caso sejam frustradas. Por outro lado, se estas expectativas não foram uma mera declaração política simpática de ocasião, a União Europeia tem de se reestruturar profundamente. Isto, se não quiser implodir por força das novas adesões”, acentuou o primeiro-ministro.
Neste contexto, António Costa insistiu que, “claramente, não há condições nem institucionais nem orçamentais” para que esse alargamento possa ocorrer.
“A criação da Comunidade Política Europeia é um gesto importante para poder dar um espaço em comum sobre questões globais, desde logo as energéticas, a um conjunto diversos de países do continente europeu, aqueles que têm a expectativa de entrar para a União Europeia, aqueles que não sabem e aquele que esteve e saiu da União Europeia, como o Reino Unido. Por isso, a Comunidade Política Europeia não vai ser um sucedâneo da União Europeia, não vai ser uma alternativa ao alargamento”, advogou.
Nesse sentido, de acordo com António Costa, “a pressão para o alargamento vai continuar em cima da mesa”.
Ainda neste capítulo, o líder do executivo fez também uma alusão às dificuldades bilaterais existentes entre vários dos países candidatos ao alargamento, designadamente nos Balcãs Ocidentais, “o que significa importá-los para o seio da União Europeia” com consequências ao nível “entropia das instituições” europeias.
“A Europa tem mesmo de organizar-se em geometrias variáveis e já o faz de alguma forma, porque nem todos os Estados-membros estão na zona euro ou no espaço Schengen. Para ter sucesso, temos de possuir uma Europa com geometrias varáveis”, reforçou.
No seu discurso, o primeiro-ministro defendeu que a União Europeia deve aumentar a sua autonomia estratégica, apostar na reindustrialização e na relocalização de vários setores produtivos, mas, aqui, estabeleceu uma diferença face a perspetivas protecionistas, que rejeitou.
Aliás, neste ponto considerou que a União Europeia terá de encontrar novos parceiros no mundo, “novos amigos” e colocou como fundamental a conclusão do acordo do Mercosul.
“A União Europeia tem de repensar as suas políticas comercial e agrícola. Sabemos que a Política Agrícola Comum está na origem da União Europeia, mas é também a ambientalmente mais incorreta, a que cria mais protecionismo dentro da Europa e a que mais dificulta o desenvolvimento de países em relação aos quais a Europa enfrenta enormes desafios migratórios”, observou.
“Ajuda ao desenvolvimento não pode ser estarmos ciclicamente a passar um cheque para dizer que estamos a apoiar o desenvolvimento dos outros. Temos de compreender que a política comercial tem de ser equilibrada e de interesse mutuo. A União Europeia não pode ter há décadas bloqueado o acordo o Mercosul, que seria o principal acordo económico à escala global, para mais sabendo-se que os países do Mercosul são cultural, política e civilizacionalmente os mais próximos da Europa”, acrescentou.