Gravidez silenciosa

Descobrir uma gravidez a pouco tempo do parto pode ser algo considerado raro, mas não é de todo impossível.

Na reportagem especial desta semana, a Record TV foi conhecer as estórias de três mulheres que viveram uma gravidez silenciosa.

A barriga não cresce, o período continua a aparecer todos os meses, não há enjoos, cansaço, azia ou qualquer outro sintoma normalmente associado à gravidez. O corpo dá poucos ou nenhuns sinais de estar a gerar uma vida, dando assim origem a uma gravidez silenciosa.

Seguir carreira militar era o sonho de Cátia que, aos 19 anos, estava decidida a ingressar na academia. Um exame de rotina veio alterar-lhe os planos e ditar aquela que foi a maior reviravolta da sua vida.

Cátia – um electrocardiograma, onde apareceram duas batidas cardíacas e eu não tenho dois corações, não é, e foi aí que descobrimos que estava grávida do Martim, quando fomos ver eu estava de 7 meses. Não tinha barriga nenhuma, pesava 50 quilos, tinha menstruação regular, fazia uma vida normal de uma miúda de 19 anos.

Martim estava alojado na zona das costelas, tornando-se praticamente invisível aos olhos dos médicos.

Cátia – Eles conseguiram através apenas do fémur, foi a única coisa que viram nitidamente, as batidas cardíacas dava pra ouvir, mas a nível de formação não conseguimos saber nada porque não dava pra ver.

A surpresa inicial deu lugar a dúvidas. Certezas apenas uma, a vida tal como a conhecia estava prestes a mudar e no ar pairava uma pergunta.

Cátia – Ricardo, o que é que eu faço agora? que é o meu marido (risos) nem foi dizer aos meus pais, foi mesmo o meu marido, o que é que eu faço agora?

Na ausência de todo e qualquer sinal visível de gravidez, a incredulidade tomou conta de Ricardo.

Cátia – Não é possível. Eu tenho que ver os exames, uma coisa é estares grávida no início, agora de 7 meses? Impossível, tu pesas 50 quilos, onde é que está a barriga, onde é que está o peito, onde está tudo. os testes de gravidez davam negativos.

Apesar dos testes negativos e do ventre liso, dois meses depois, Cátia foi mãe de um menino perfeitamente saudável, num parto rápido e sem dor.

Cátia – não dei conta, estava muito bem, passou a enfermeira, e disse oh dra venha, oh menina prenda prenda, e eu prendo o que? Não deixe! Conforme ela diz não deixe ela só tem tempo de pôr as mãos e o Martim saiu.

Foi um parir de gata, não tive contrações, nada, enquanto a senhora diz aperte, não deixe, aguente, eu aguento o quê, não estava a sentir nada, sentia uma dormência nas ancas e o Martim saiu

Correu tudo bem mas, cerca de um ano depois, o estado de saúde de Cátia complicou-se devido a uma variz vaginal. Fez vários exames e consultas no hospital, mas as dores não lhe davam tréguas.

Cátia – a variz cada vez estava pior, dores insuportáveis que não conseguia andar, nesses 10 meses fiz analises ao sangue, ecografias vaginais, pélvicas…

Exames que nada detetaram mas, quando a variz aumentou a pontos de parecer que ia rebentar, Cátia deu entrada nas urgências. Depois de ser observada por uma enfermeira, recebeu um diagnóstico diferente.

Cátia – a senhora diz me posso? Não vou mexer na variz, conforme coloca a agulha rebenta me as águas e eu “estou a fazer xixi? o que é que você rebentou?”

Nem dois anos tinham passado desde o nascimento de Martim quando a história se repetiu. Desta vez, Cátia e Ricardo tiveram apenas algumas horas para se prepararem para a chegada da segunda filha, Maria Inês.

Cátia – chego ao pé dele e Digo Ricardo vais ser pai, eu vou ser mãe, estou grávida, a bebé vai nascer hoje. E ele a bebe? E eu sim.

Cátia – O Ricardo olhou pra mim, começa se a rir, eu também e parecíamos dois totós a rir, porque uma gravidez de dois meses, outra gravidez sem ser gravidez, foi assim puff.

Mãe de três filhos, Sónia descobriu aos 42 anos que estava novamente grávida. Ter outro bebé não fazia parte dos planos de Sónia e do marido, Pedro, deixando-os sem saber o que fazer.

Sónia – ficámos os dois em choque, não estava previsto termos mais um filho, eu tenho 42 anos, ele 45 e já temos 3 filhos e um quarto filho muda tudo, carro, casa,

Sónia não teve sintomas que a alertassem para a gravidez. Estava a amamentar o terceiro filho, pelo que não tinha menstruação, a barriga não cresceu e só sentiu o bebé mexer duas semanas antes do parto.

Sónia – O Rodrigo quando o Gabriel nasceu tinha 5 anos mas eu estava a amamenta-lo, portanto todo o processo de sentir no peito não tive, eu ainda tinha leite, e também foi um processo que me fez emagrecer,

De acordo com as análises, estaria grávida de cinco ou seis semanas mas, na verdade, estava prestes a entrar em trabalho de parto.

Sónia – Eu só soube o tempo que estava quando me rebentaram as águas e fui para o hospital muito assustada, porque das outras 3 nunca me rebentou a bolsa, foi sempre no hospital e quando rebentou veio bastante sangue, eu disse ao meu marido temos de ir para o hospital porque eu estou a perder o bebé, porque foi muito tempo, muito trabalho em pé e achei que estivesse num processo abortivo.

Estava afinal grávida de 32 semanas e Gabriel nasceu prematuro, nesse mesmo dia. Sónia, que nada tinha preparado, pouco tempo teve para acolher a ideia de que ia voltar a ser mãe.

Sónia – foi um choque e um processo muito doloroso, porque eu tive de me consciencializar de que ia ter um bebé, que não sabia, que não tinha nada pra ele, roupa, nada

Sónia – passa nos tudo pela cabeça, será que esta bem de saúde, bem formado, porque tudo o que foi ecografias e rastreios pré natal eu não fiz nada,

Médico – Felizmente a esmagadora maioria das gravidezes até acaba por decorrer com toda a naturalidade, se a mulher for saudável tudo vai decorrer sem complicações, mas ela não fez analises, exames, não sabia o seu estado imunológico, não fez suplementos, que são fundamentais.

Erika chegou a Portugal há quase três décadas. Natural da Holanda, vinha passar uns meses com o namorado, Paulo, carregada de projetos e sonhos… e com um bebé na barriga. Estava em Portugal há pouco mais de cinco semanas quando dores intensas nas costas a levaram às urgências.

Erika – enfermeiros, ginecologistas, tudo veio para o pe de mim, tive 9 a 10 pessoas a minha volta. senti um pânico entre eles, muitas chamadas, eu disse em inglês can somebody tell me whats going on, e a medica explicou me, tens um bebé dentro de ti

Erika não teve qualquer sintoma para além de dores nas costas que se arrastaram durante meses. Os médicos suspeitaram de lesão muscular, stress, até mesmo de uma úlcera, mas nunca de uma gravidez, já no último trimestre. Tal como os filhos de Cátia, a bebé de Erika estava também alojadas nas costelas.

Erika – eu tive menstruação todos os meses, não tive aumento de peso, enjoos, nada…eu dava aulas de ginasta, era ginasta artística, ela estava na horizontal ,atravessada, com a cabeça presa, o meu abdómen não deixava ela descer,

Médico- na mulher elegante, associada até a pratica desportiva, com a parede abdominal bem musculada, a parede abdominal pode até nem distender tão facilmente, pode também estar associado a um bebe mais pequenino, então facilmente acaba por ir passando despercebido.

Grávida de 37 semanas, impedida de viajar e voltar para casa, e sem falar a língua, Erika contou com o apoio total de Paulo, o homem que com quem viria a casar e a ter mais quatro filhos.

Erika – Primeira coisa que disse ao Paulo, eu não vou prender te porque temos um bebé, não sei se é deficiente ou não, se for eu tenho melhores cuidados na Holanda, disse que assumia responsabilidade total, ele achou me maluca, foi muito pratico, disse temos de comprar babygrows e fraldas, apoiou me muito.

Doze dias depois de descobrirem que iam ser pais, Erika e Paulo deram as boas-vindas a Lisa. Nasceu um bebé, mas Erika ainda precisou de tempo para se sentir mãe.

Erika – foi estranho, não me sentia mãe, sentia que algo saiu dentro de mim.

Erika – senti um bocadinho mais quando eles ma devolveram, e puseram na mesmo a frente para observar, olha, isto é teu, és mãe agora e isto levou bastante tempo a sentir me mãe, não na parte de cuidar mas na parte psicológica.

As gravidezes silenciosas são ainda encaradas com desconfiança e preconceito, como um fenómeno raro e difícil de acreditar.

Erika – Nem eu acreditava até me acontecer. Tive pessoas próximas, da própria família, por inveja, ciúmes, não sei… se eu soubesse eu nunca tinha vindo pra cá, não é? Se eu tivesse descoberto na Holanda nunca me tinha posto em risco ao vir para Portugal,

Médico – uma em cada 500 grávidas até as 20 semanas pode não perceber que esta grávida e depois até ao final da gravidez uma em cada 2500 mulheres também poder passar.

Sónia – as pessoas não acreditam que não sabemos. Quando fui para o hospital e a medica me diz que eu tinha um bebe de 32 semanas, ela própria estigmatizou me, disse me mas é mãe de outros 3 filhos, tem 3 filhos em casa, não tem? Tenho, e vou ter um quarto. Ela estava a dar me a entender que eu tinha sido irresponsável e negligente com o Gabriel.

Sónia foi mais tarde tranquilizada por um médico, que lhe apontou vários fatores que contribuíram para que não percebesse a gravidez.

Sónia – o quando eu fui a consulta do pós parto que me disse que o facto de eu amamentar, de não ter menstruação, de ter perdido peso, eu engravidei e perdi 7 quilos

A culpa, que tantas vezes anda de mão dada com as mães, toma novas proporções em casos como estes, em que o bebé resolve chegar sem aviso prévio.

Sónia – sente se culpa por irmos ter um bebe sem ter nada preparado para ele, foi uma coisa que me custou muito, foi ter de vestir o meu filho com roupas que não eram dele, confesso. Depois é eu perguntar a medica mas ele está bem, está bem formado, e ela dizia me que não sabia porque já não tinha o liquido, portanto não fazia o contraste

Cátia – senti me culpada, porque via amigas minhas quando engravidavam, tinham a barriga, tudo.. uma coisa que sempre quis fazer e nunca fiz é a barriga de gesso. Nunca fiz nada disso. Nunca tive um chá de bebé nem do primeiro nem do segundo, então optei por não fazer da margarida também.

Margarida é a terceira filha de Cátia. Descobriu às seis semanas de gestação e, desta vez, teve direito a todos os sintomas de grávida.

Cátia – eu paguei pelas outras duas gravidezes, eu acho que tive 3 gravidezes numa, tinha barriga que pareciam quadrigémeos, imensas contrações,

Cátia – Corajosas as senhoras que têm gravidezes verdadeiras, e que tem enjoos e mau estar e que vomitam, que tem contrações, que sofrem o parto e que voltam lá novamente.

Depois da surpresa, do choque, da culpa e de todas as mudanças que os filhos trouxeram, estas mães ficaram com uma boa história para contar.

Cátia – De ti meu menino, descobri que estava grávida aos 7 meses. E foi porque ia para a academia militar, fiz os exames e havia dois coraçõezinhos, estavas lá tu oh pinguim, e da Inês foi olha tu vieste tipo cheguei! Descobri que estava grávida de ti já estavas a nascer.

Cátia – Riem-se, a maria foi encontrada no lixo, eles metem se com a irmã mais nova, foste encontrada no lixo e ela diz não, não, a mãe a mim é a única que tem provas!

Sónia – vou contar com a maior naturalidade, dizer que sim, que foi um bebé surpresa, muito bem vindo, é uma bênção na nossa família.

Erika – Ela tinha 8, 9 anos, começamos a introduzir, muito liberais a falar sobre isso, para a proteger, para saber em primeira mão. ainda hoje há pessoas que não acreditam, que acham que eu escondi uma gravidez, não achei justo para a minha filha saber por terceiros.

São histórias com um final feliz. Mistérios do corpo humano que até a própria ciência tem dificuldade em explicar. Diagnósticos de varizes, dores nas costas ou úlceras, que não passavam afinal de uma gravidez silenciosa.