Os versos de Florbela Espanca exprimem sentimentos exacerbados, levados ao limite e solidão recheada de angústia. No Dia Mundial da Poesia – que se comemora hoje, 21 de março – recordamos uma das mais importantes poetisas portuguesas.

Tinha apenas oito anos quando passou para o papel o primeiro poema. Era ainda menina, mas já se adivinhava a intensidade que mais tarde a veio a caracterizar. Apesar da tenra idade, dizia que “aos oito anos já fazia versos, já tinha insónias e já as coisas da vida me davam vontade de chorar”. As emoções estiveram sempre no cerne da sua poesia, onde revelava o mais íntimo de si.

Florbela Espanca nasceu em Vila Viçosa, Évora, a 8 de dezembro de 1984. Filha ilegítima, só dezoito anos após a sua morte foi reconhecida pelo pai

A infância ficou marcada pela morte da mãe, aos 29 anos, “de uma doença que ninguém entendeu”. Em 1907, escreveu o conto ‘Mamã!’, uma ode a essa mãe que não teve tempo de conhecer. Foi também no mesmo ano que começaram as primeiras queixas de fadiga e dores de cabeça, fazendo já antever a doença que a atormentou até ao fim dos seus dias.

Florbela, porém, recordava a meninice como um lugar feliz: “Nasci num berço de rendas rodeada de afetos, cresci despreocupada e feliz, rindo de tudo”.

“Ser poeta”

À época, foi das poucas mulheres a estudar Direito na Faculdade de Lisboa e uma das primeiras feministas em Portugal. Florbela não tinha receio de, sempre que lhe apetecia, usar calças, indumentária apenas permitida aos homens. Gostava de quebrar regras, desafiar convenções.

A mulher que se fez “poesia viva” Florbela Espanca
Florbela Espanca | © D.R.

A vida tumultuosa e amarga, densa em emoções e sentimentos, e o desejo premente de ser feliz foram a inspiração para sua obra.

Em 1919, sai o ‘Livro de Mágoas’, uma coletânea de sonetos dedicados ao pai e ao irmão. Quatro anos depois, ‘Livro de Sóror Saudade’ vem a lume, poemas que exaltam sobretudo o amor e a paixão.

‘Charneca em Flor’, a obra-prima, apenas vem a público depois de a poetisa ter desistido de viver, aos 36 anos. É considerado como o mais honesto livro de Florbela, onde põe a nu as suas vivências, e uma grande contribuição para a emancipação literária da mulher.

A obra inclui um dos seus mais conhecidos sonetos, ‘Ser poeta’, imortalizado pela banda portuguesa Trovante.

“Poesia viva”

Foi-lhe prometida felicidade por diversas vezes, mas a vida não teve pejo em dar-lhe desgostos vários. Três casamentos, dois divórcios, os filhos que não conseguiu ter, a perda do irmão, a neurose que sempre a acompanhou.

Florbela confessava-se na poesia, trazia para o papel o desencanto de que se vestiam os seus dias: “Sou aquela que passa e ninguém vê/ Sou a que chamam triste sem o ser/ Sou a que chora sem saber por quê…”.

A morte do irmão, num acidente de aviação, em 1927, acentuou a depressão que há muito a atormentava. A perda serviu-lhe de inspiração para escrever o livro de contos ‘As Máscaras do Destino’, obra apenas publicada depois da sua morte. O desgosto fez com que não mais quisesse viver, no entanto, resistiu ainda três anos. 

A poetisa nunca integrou nenhum grupo literário, nem colaborou em qualquer periódico de relevo, mas o seu nome ficou imortalizado como um dos grandes da poesia portuguesa.

A vida de Florbela que, nas palavras de José Régio, se fez “poesia viva”, terminou no dia do seu aniversário, a 8 de dezembro de 1930.

SER POETA

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim…
é condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

 

Florbela Espanca

FONTE© Envato