Ponte de Sor é um dos concelhos alentejanos que tem sofrido com o despovoamento do interior. É também a casa do Eléctrico Futebol Clube. Diz a letra do hino do clube que o Eléctrico é a “glória” e a “dor de um povo de Portugal”.
Mas não só do povo pontessorense. Apesar de ser um emblema do Alto Alentejo, uma das regiões portuguesas que mais sofre com o despovoamento, é cada vez mais uma instituição que dá palco ao talento lusófono.
Caio e Mateus no basquetebol e Ferrugem e Daniel Airoso no futsal são apenas quatro dos nomes brasileiros que integram os plantéis das várias modalidades do clube.
“Começámos a olhar para o mercado brasileiro porque é acessível em termos de custo e de qualidade dos atletas. Além disso, a adaptação destes jogadores a Portugal é muito fácil. No futsal temos cinco, que é o limite, quatro deles já estão cá há mais de uma época. Isso prova que gostam do clube e da terra”, explica o presidente Vítor Manuel Martins.
Que o diga quem já passou por grandes formações do Brasil, como o Corinthians de São Paulo ou Tubarão Futsal de Santa Catarina. Ferrugem chegou a Ponte de Sor há um ano. Trouxe a mulher e em dezembro dão as boas-vindas ao primeiro filho, aqui em Portugal. “Vemos pouca diferença do Brasil. Os costumes são portugueses, mas é tudo muito parecido com o Brasil. Sentimo-nos muito à vontade.”
Longe mas não assim tanto
A ideia é também reforçada pelo diretor de futsal do Eléctrico, Francisco Aragonês, que revela que a localização do concelho alentejano também agrada aos jogadores, uma vez que “está a hora e meia de Lisboa, a uma hora de Évora, a uma hora e pouco de Badajoz. Por isso, não estamos longe. Estamos mais longe, mas não estamos muito longe. O facto de estarmos no Interior, em Ponte de Sor, é um motivo que dá condições aos jogadores que não se encontram em São Paulo ou no Rio de Janeiro.”
A última época foi a melhor de sempre para o futsal do Eléctrico. Alcançou o histórico terceiro lugar do campeonato nacional. Um momento que para Ferrugem foi gratificante, sobretudo porque “é difícil competir contra o Benfica e o Sporting, que jogam noutro patamar. Costumamos brincar ao dizer que somos os campeões dentro dos outros clubes normais”.
Apesar do sucesso, Francisco Aragonês sublinha que “nenhum jogador está aqui no topo da carreira. Eles têm condições para estar noutros clubes. Não queremos atletas que digam que querem ficar no Eléctrico para sempre, que não tenham ambição e que queiram estagnar. Queremos atletas que hoje estão aqui e amanhã estão na seleção e para estarem na seleção têm de dar o máximo. E se derem o máximo, o clube vai ganhar com isso.”
‘Impossível’ é uma palavra que não existe no vocabulário do Eléctrico. ‘Impensável’ também deixou de fazer parte do dicionário quando Daniel Airoso foi chamado a servir a seleção do Brasil na Copa América, no início do ano. O atleta fala “na realização de um sonho, mas também fruto de muito trabalho”.
Alentejo, uma ponte para a Europa
No Pavilhão Municipal de Ponte de Sor treinam duas promessas brasileiras do basquetebol. Vieram para Portugal com a ajuda de Ricardo Silvestre, diretor do basquetebol do Eléctrico. “O Mateus é uma velha paixão minha. Ando há três anos a tentar trazê-lo para cá. O Caio foi uma grande surpresa, uma grande descoberta deste ano. Estamos muito felizes com ele. É um jogador de 2,11 metros, o que não é assim tão comum, e vai ser um dos jogadores mais altos da Proliga ou até mesmo da Liga. Ambos ajudam a trazer mais qualidade para o campeonato.”
Caio já tinha passado por Buenos Aires, na Argentina, e revela à ‘Share Magazine’ que “já tinha muita vontade de jogar na Europa. Quando surgiu esta oportunidade, não pude recusar. Era um sonho meu.” Mateus, por sua vez, confessa estar a “gostar muito de jogar em Portugal”.
Poucos podem dizer que na estreia pelos palcos europeus representaram o emblema de um concelho com cerca de 15 mil habitantes, plantado nas planícies alentejanas, pautadas pelo sossego. Ponte de Sor tem vindo a perder população ao longo dos anos, mas, se há coisa de que o Eléctrico se pode orgulhar, é de ter 400 atletas.
Os desafios são, no entanto, mais do que muitos. “Como podem imaginar, é difícil arranjar patrocínios, temos menos divulgação de imagem, estamos no Interior e temos de pagar alojamento e alimentação que noutros centros urbanos haverá outra facilidade. Mas também é um desafio que nos obriga a inventar e a ser mais criativos”, desabafa Vítor.
Inspirados pela competição universitária dos Estados Unidos, os dirigentes do Eléctrico de Ponte de Sor lançaram um projeto a cinco anos, que tem como objetivo recrutar jovens atletas de basquetebol dos países de língua oficial portuguesa que queiram apostar nos estudos e numa vida que dê pulso ao Alentejo. Caio e Mateus são os primeiros basquetebolistas estrangeiros a integrar o programa. Ambos têm a oportunidade de driblar entre a educação e o desporto.