Um exagero, visto por alguns, mas nos Estados Unidos a morte de crianças durante tiroteios em ambiente escolar não é uma realidade incomum.

Cassie Walton podia ser uma mãe como outra qualquer, mas a preocupação que demonstrou com a segurança do filho, Weston, para o regresso às aulas não deixou ninguém indiferente. A mulher, natural do estado norte-americano do Oklahoma, quis preparar o filho para um cenário de um hipotético tiroteio na escola. O momento foi gravado e partilhado nas redes sociais, com o vídeo a tornar-se rapidamente viral.

Na lista de material escolar incluiu um item pouco comum: uma mochila à prova de bala, que serviria de escudo protetor caso a criança se visse envolvida numa situação de emergência.

Na gravação, é possível ouvir a mãe a perguntar ao menino: “Se te disserem que não é um simulacro e tu tiveres de te esconder num canto em silêncio e sem te mexeres, o que tens de fazer?”.

Weston carrega a mochila do homem-aranha de forma obediente, colocando-a por cima da cabeça quando a mãe o questiona de que forma é que o menino a usaria.

Cassie Walton vai ainda mais longe, explicando ao filho que mesmo que a professora sugira que este largue a mala, ele vai insistir em permanecer com ela. Os ensinamentos da mãe referem ainda que o menino deve ficar em silêncio se chegar a estar na mesma divisão com um possível atirador e que, caso consiga deixar a escola, deverá correr até chegar a casa.

Em declarações à imprensa norte-americana, Cassie explicou que quer que filho esteja preparado para qualquer eventualidade, numa decisão precipitada pelo tiroteio que ocorreu este ano na escola básica de Uvalde, no Texas.

Cassie Walton não é a única mãe preocupada e a contribuir para que a venda de mochilas à prova de bala disparasse nos EUA, após o massacre naquela escola. Os preços de cada mala podem ultrapassar os 400 dólares.

Massacre de Uvalde e o direito à posse de arma

A 24 de maio, Salvador Ramos abriu fogo sobre uma turma na escola básica de Uvalde, no estado norte-americano do Texas. Vinte e uma pessoas morreram: 19 crianças, com idades inferiores a dez anos, e duas professoras.

O atirador tinha apenas 18 anos. Acabou morto pela polícia.

O adolescente conseguiu entrar no estabelecimento escolar, armado com uma pistola e uma espingarda semiautomática. De acordo com as autoridades, Salvador possuía ainda carregadores de alta capacidade no momento do ataque. Sabe-se que adquiriu o armamento quando completou 18 anos.

Nos Estados Unidos a lei proíbe a venda de álcool a menores de 21 anos, mas a compra de armamento é muito facilitada, uma vez que o direito ao porte de arma para defesa pessoal está consagrado na Constituição norte-americana, e é incondicionalmente apoiado pelo poderoso ‘lobby das armas’ do país.

A controversa lei sobre porte de armas é uma das mais polémicas nos EUA, com parte da sociedade civil a defender legislação que limite o acesso ao armamento, mas que esbarra nos acérrimos defensores da total liberdade para comprar e utilizar armas de fogo.

Em junho deste ano, após o ataque, o Congresso norte-americano aprovou uma lei que dificulta o acesso a armas por pessoas que se possam tornar perigosas, apertando a venda a jovens entre os 18 e os 21 anos, com a possibilidade de verificação dos registos juvenis através do Sistema Nacional de Verificação de Antecedentes Criminais.

Mulher prepara filho para sobreviver a tiroteio
O direito de porte e posse de armas está previsto pela segunda emenda da Constituição americana | © Envato

Nova legislação

O diploma prevê uma maior aposta e investimento na promoção da saúde mental, segurança escolar, programas de intervenção em crises e incentivos.

A lei também tem prevista a proibição do porte de armas a qualquer pessoa condenada por um crime de violência doméstica. Até agora a regra aplicava-se apenas a quem fosse efetivamente casado com a vítima, com o novo diploma a retificar essa questão, ficando agora explicito que estão implicados quaisquer crimes contra alguém “com quem tenha um relacionamento sério e contínuo de natureza romântica ou íntima”.

Mas se de um lado aplicam-se mais limitações e controlo, por outro, diminuem-se. Dias depois de aprovada esta lei, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos deu luz verde ao porte de armas em público, sem restrições em todo o país, anulando a lei que vigorava em Nova Iorque, que impunha rigorosas restrições ao uso de armas fora de casa, uma decisão muito criticada.

“Esta decisão não é apenas imprudente, é censurável. Não é o que os nova-iorquinos querem. E deveríamos ter o direito de determinação do que queremos fazer em termos das nossas leis sobre armas no nosso estado. Se o governo federal não tiver leis arrebatadoras para nos proteger, então os nossos estados e os nossos governadores têm a responsabilidade moral de fazer o que possam, e de ter leis que protejam os nossos cidadãos por causa do que se passa – a insanidade da cultura das armas que agora se apoderou de toda a gente até ao Supremo Tribunal”, afirmou Kathy Hochul, governadora de Nova Iorque.

Tiroteios nos EUA: os números

Só este ano foram contabilizados, pelo menos, 102 incidentes a envolverem armas de fogo em recintos escolares nos Estados Unidos.

Quarenta e uma pessoas morreram e outras 79 ficaram feridas a nível nacional, segundo números da organização Everytown for Gun Safety.

Números que triplicaram em relação ao ano anterior e que constituem um recorde registado pela organização que publicou o estudo.

O documento revela também que 60 por cento dos casos, o responsável pelos ataques é aluno ou ex-aluno da escola. As armas utilizadas em três de cada quatro incidentes do tipo são dos pais ou de parentes próximos.

Um cenário facilitado uma vez que mais de quatro milhões de crianças nos Estados vivem em casas onde existe, pelo menos, uma arma carregada e de fácil acesso.

O panorama geral revela que foram registados mais de 300 tiroteios em massa nos EUA. Mais de 330 pessoas morreram e outras 1 300 ficaram feridas durante este ano em incidentes que envolveram armas de fogo no país, segundo dados da organização Gun Violence Archive.

FONTE© Envato