Carpinteiro de profissão, tornou-se na maior lenda do desporto português. Ganhar ou morrer era o seu mote. Infelizmente, a segunda hipótese levou a melhor.

Na tarde de 14 de julho de 1912, na colina de Öfver-Järva, em Estocolmo, Francisco Lázaro caiu por terra. O sol era abrasador, com os termómetros a galgarem os 40 graus. Tentou erguer-se e continuar a correr, a força de vontade a falar mais alto, a desafiar as limitações do corpo. Tombou inanimado e desta vez não mais se levantou. A morte de Francisco Lázaro deixou Portugal de luto, o mundo em choque e uma história para contar.

O Chico do Lázaro

Nasceu em Benfica, a 21 de janeiro de 1888. Batizaram-no Francisco da Silva, mas rapidamente o bairro se encarregou de lhe mudar o nome. Filho de Lázaro da Silva, Chico do Lázaro ficou.

Fez-se carpinteiro como o pai e ganhou os primeiros tostões a trabalhar numa fábrica de carroçaria automóvel no Bairro Alto. De origens humildes, não tinha dinheiro para pagar o bilhete de elétrico. Corria então de Benfica até ao Bairro Alto e do Bairro Alto até Benfica, competia com os elétricos, desafiava-os, chegava antes deles à meta.

Numa destas corridas conheceu o diretor da revista Tiro & Sport que, surpreendido com a velocidade do carpinteiro, desceu do elétrico para o interpelar. Convidou-o para participar na Maratona Portuguesa, que viria a ser a sua primeira prova – vinte e quatro quilómetros que não representaram qualquer dificuldade para Lázaro. Foi a primeira vitória, estávamos em 1908.

Dois anos mais tarde, depois de se restabelecer de uma grave doença pulmonar, venceu uma maratona com os convencionais quarenta e dois quilómetros. E em 1911, convidado por Cosme Damião, fez-se atleta do Benfica, que viria a trocar no ano seguinte pelo Lisboa Sporting Clube, aliciado por promessas de ir a Estocolmo buscar uma medalha. O que não podia saber é que iria, sim, ao encontro da morte.

Quilómetro trinta

Cinco de maio de 1912. No estádio de Estocolmo, na Suécia, era o jovem Lázaro que levava a bandeira nacional, desfilando à frente durante a cerimónia de abertura. Era a primeira participação de Portugal nos Jogos Olímpicos e o carpinteiro sonhava com a medalha de ouro.

Acompanhavam-no cinco atletas portugueses: Armando Cortesão, António Stromp, Joaquim Vital, António Pereira e Fernando Correia. A maratona realizou-se a 14 de julho, um domingo que amanheceu quente demais. Lázaro acordou cedo, almoçou às dez da manhã e foi depois levado para o estádio.

A corrida não começou à hora prevista, sendo sucessivamente adiada por causa do calor, descrito como “ardente, insuportável e muito raro”. Os médicos que integravam a organização dos Jogos sugeriram que a prova se realizasse pela fresca, ao final do dia, mas tal não aconteceu.

Foi a primeira vítima mortal dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, na maratona de Estocolmo, em 1912.

O tiro de partida deu-se por volta das duas da tarde. Lázaro ia de cabeça descoberta. Corria ligeiro, aos vinte cinco quilómetros seguia em décimo oitavo lugar. Os companheiros aguardavam-no no quilómetro trinta e cinco, mas Lázaro nunca passou do trinta.

No hospital, diagnosticaram-lhe meningite motivada por insolação fulminante e deram–lhe injeções de água salgada. De nada adiantou. Ainda delirou, julgando que corria, movendo-se como se estivesse na maratona. Na manhã do dia seguinte, morreu.

“Duro como pedra”

Mas, afinal, o que matou Francisco Lázaro? A teoria do sebo é uma das mais conhecidas. Quando o foram procurar ao balneário, minutos antes da partida, os colegas encontraram-no a besuntar o corpo de sebo.

Naquele tempo era comum os atletas recorrerem à emborcação, uma solução que podia ser administrada por via oral ou através da pele, e que se acreditava que diminuía o cansaço e acelerava a recuperação.

Os colegas ainda quiseram limpá-lo, metê-lo debaixo de um chuveiro, mas não havia tempo. O carpinteiro terá ido correr com os poros da pele tapados e de cabeça descoberta, sob um sol ardente. No entanto, há quem defenda que Lázaro não morreu devido ao sebo que, exposto a temperaturas tão elevadas, acabaria por derreter.

Francisco Lázaro
D.R.

Muitos acreditam que o atleta recorreu a estricnina, uma substância para evitar o cansaço e que, quando ingerida em excesso, pode ser fatal. Na autópsia, no entanto, não foram detetados quaisquer vestígios nem de sebo, nem de estricnina. O que chamou a atenção dos médicos foi o fígado, que estava “completamente mirrado, do tamanho de um punho fechado e duro como pedra, a tal ponto que só se conseguiria partir a escopro”. 

“Ou ganho ou morro”

Foi o primeiro atleta a morrer em prova. Em Lisboa deixou a noiva, grávida de cinco meses de Francisca, a filha que Lázaro nunca viria a conhecer. Anos mais tarde, Sofia revelou ao jornal ‘Notícias’ a última conversa que teve com o companheiro. “À nossa despedida, eu chorei muito, apesar de ele se mostrar muito animado e contente, garantindo-me que ou venceria ou morreria.” 

Eduardo, neto do atleta e filho de Francisca, rejeita toda e qualquer teoria da conspiração. “Os relatórios médicos são categóricos no que afirmam. Francisco Lázaro morreu vítima de insolação. Ou seja, nesses relatórios nunca se fala de estricnina, de sebo nem de emborcações. O que o matou foi não terem aceitado o que até os médicos exigiam, que a prova fosse mudada para o fim da tarde. Morreu porque não quiseram adiar a hora da maratona e a fizeram à torreira do sol, a 40 graus…”

Pouco há a dizer da curta vida de Francisco Lázaro. Foi a morte que o imortalizou e fez dele um mito. “Ou ganho ou morro”, palavras suas que chegaram a assustar de tão certeiras. Não ganhou, mas correu para a eternidade.

FONTED.R.