O público aplaudia delirante, em completa adoração da figura magra que rodopiava no palco, o cabelo comprido em desalinho, as calças de couro preto demasiado justas. “Quero contar-vos algo que aconteceu minutos atrás aqui, em New Haven.” A audiência bebia-lhe as palavras, em suspenso enquanto Jim descrevia como, momentos antes, tinha sido agredido por um “homenzinho de fatinho azul e bonezinho”.

Desde muito cedo que a indignação contra a autoridade se tornara na grande obsessão da sua vida. Essa noite de dezembro de 1968 terminou com o intrépido cantor a ser arrastado do palco para a esquadra. Apenas mais um episódio banal na vida de Jim Morrison, o Rei Lagarto.

O rebelde que lia Nietzsche

Foi na ida para Albuquerque, enquanto viajava com os pais na autoestrada de Santa Fé que, com apenas quatro anos, experienciou o que mais tarde descreveria como “o momento mais importante da minha vida”. Ao passar por um camião capotado, estavam índios pueblo feridos, a morrer no asfalto. Anos mais tarde, Jim contou aos amigos que, quando o carro do pai se afastou, um índio morreu e a sua alma passou-lhe para o corpo.

Real ou imaginário – os pais afirmaram que tal nunca aconteceu – Jim ficou profundamente marcado pelo incidente, referindo-o em diversas canções, poemas e entrevistas. A sua irreverência e personalidade retorcida cedo vieram à tona. “Ele odiava o conformismo, introduzia sempre modificações estranhas nas coisas. Tentava chocar-nos. Jimmy tinha muitas facetas”, descreveu a avó. Quis mostrar ao mundo o enfant terrible, o rebelde sem causa que não sabia comportar-se em público, bebia demais e desafiava as autoridades. Poucos conheceram o ávido devorador de livros, o poeta introspetivo e tímido que sabia citar de cor Nietzsche, Plutarco, Rimbaud.

“Peguem em qualquer livro que tenha em casa, abram-no no princípio de qualquer capítulo e comecem a ler. Deixarei os meus olhos fechados e dir-vos-ei que livro estão a ler e quem é o autor.” Quem o conheceu garante que nunca falhava.

Rapazes de Los Angeles

As leis do acaso, que muitas vezes ditam a sorte das pessoas, determinaram que numa tarde de agosto Ray Manzarek tropeçasse em Jim, numa praia de Venice, quando este escrevia letras daquelas que haviam de ser canções dos Doors. Ray viu em Jim algo que nem o próprio sabia que tinha. “São as melhores letras que jamais ouvi. Vamos formar uma banda de rock and roll e fazer milhões de dólares.”

Nasciam assim os The Doors – Jim Morrison, Ray Manzarek, Robby Krieger e John Densmore. Após meses de atuações no clube noturno Whiskey a Go-Go, de onde eram despedidos pelos menos uma vez por semana – e definitivamente expulsos após Jim apresentar a versão edipiana do tema ‘The End’ – os Doors explodiram com o lançamento do álbum homónimo, a 4 de janeiro de 1967. O mais proeminente crítico de música rock da altura descreveu-o como “uma divagação convincente, tensa e poderosa” e referiu-se a Jim como “um punk da rua que foi para o céu e reencarnou como um menino de coro”.

Curiosamente, ao mesmo tempo que ‘Light My Fire’ atingia o topo da tabela, o pai de Jim chegava ao auge da carreira, tornando-se no mais jovem almirante da Marinha dos EUA. As relações com a conservadora família tinham sido cortadas há vários anos e a imprensa declarava, erradamente, que todos os familiares já tinham morrido. Nessa altura, a mãe ensaiou uma aproximação, pedindo-lhe que fosse ao jantar de Ação de Graças e que cortasse o cabelo. Jim foi implacável. “Nunca mais quero voltar a falar com ela.”

Meio século de Doors

A 4 de janeiro de 1967 foi editado o álbum que catapultou a banda de Los Angeles para o sucesso. ‘The Doors’, que inclui os singles ‘Light My Fire’ – a canção mais popular do grupo – ‘Break On Through (To The Other Side)’ e ‘The End’, vendeu mais de 20 milhões de cópias. Foi considerado pela revista Rolling Stone, em 2012, como o 42º melhor álbum da história, já depois de o ter considerado como o melhor álbum de 1967. 

O princípio do fim

A ascensão meteórica da banda levou a que Jim se aborrecesse com o estrelato e as constantes solicitações dos fãs. O conceito inicial dos Doors passava por uma fusão de teatro, música e poesia e estava a ser deturpado pelo estatuto de sex symbol que teimavam em atribuir-lhe. “Isto não é o que eu quero fazer. Já foi em tempos, mas já não é.”

O terceiro álbum estava prestes a ser lançado e os quatro elementos concordaram em continuar por mais seis meses. Estávamos em 1968, um ano antes do famoso “incidente de Miami” onde, alegadamente, Jim mostrou os genitais em palco. Depois disso, em cada concerto dos Doors, a polícia estava a postos para saltar ao menor estremecimento do controverso cantor. Artigos anti-obscenidades foram acrescentados como cláusulas contratuais em concertos de outras bandas e Jim passou o resto da vida em tribunais a responder por esse “incidente”, alegando sempre “não ter feito nada de errado”.

Clube dos 27

Em setembro de 1970, o mundo despediu-se de Jimi Hendrix. Um mês depois, Janis Joplin morreu de overdose. Jim entrou numa espiral depressiva, entre o desespero e o mais absoluto pânico, comentando com os amigos: “Estão a beber com o número três”.

O tempo veio dar-lhe razão. Não tardou muito a entrar para aquele que ficou conhecido como o clube dos 27, a fatídica idade com que morreram lendas como Hendrix, Joplin e, mais tarde, Kurt Cobain e Amy Winehouse. Em 1971, foi lançado ‘L.A. Woman’, o sexto e último álbum dos Doors, e Jim queria desesperadamente afastar-se de Los Angeles. Mudou-se para Paris em março, com Pamela Courson, a sua “companheira cósmica”, para se dedicar à poesia, para ser ele mesmo e não o que dele tinham feito.

Durou pouco o idílio. James Douglas Morrison foi encontrado morto na banheira, a 3 de julho, e a sua morte permanece até hoje envolta em mistério e especulação. O enfant terrible tornou-se uma lenda, para sempre imortalizado como o poeta cantor, alguém que sentiu demasiado a vida para conseguir, de facto, vivê-la.

FONTED.R.