Gabardine aos quadrados, chapéu enterrado na cabeça, óculos escuros, cachimbo pendurado na boca e a indispensável lupa. É esta a imagem do detetive que nos povoa o imaginário desde os mais tenros anos mas, na verdade, não é assim tão elementar. 

“Nunca enganei um cliente, sabia? Parece uma mentira enorme, mas nunca o fiz”

Mário Costa recebe-nos no escritório que, à primeira vista, nada revela sobre os segredos que aquelas paredes já escutaram. Muita gente ali entrou e despejou os seus dramas, muita gente saiu com dúvidas e inseguranças convertidas em certezas. Afinal, para que precisam as pessoas de um detetive? “Quem nos procura, na verdade, não precisa de nós. Uma mulher que aqui vem quer o quê? Querem todas o mesmo. O detetive não vai ajudar em nada, no nosso país a infidelidade não é crime.”

Mário Costa
Mário Costa – D.R.

“Sou o gajo que anda atrás de si”

São precisamente as suspeitas de infidelidade que mais fazem soar o telemóvel deste detetive que se diz um espião. Certa vez, esteve ao serviço de uma mulher que o pôs a vigiar a suposta amante do marido. O tempo foi passando e o detetive insistia que nada havia ali para ver e que era uma perda de tempo, mas a cliente não desarmava – “Na cabeça dela, a mulher sabe que o marido tem alguém”. E assim andou, um dia após outro, a seguir a alegada amante, durante mais de um ano. 

“Até já nos falávamos! ‘Olá, está boazinha, eu sou o gajo que anda atrás de si. Adeus, até amanhã.’ Até ao dia em que ela se fartou, porque já não andava com o marido da outra e tinha um namorado novo! Como era casada e era chato eu andar atrás dela, deu-me a entender: ‘Ou largas o osso ou faço queixa à polícia’.” A queixa foi feita e resolvida com o pagamento de uma multa. “Vão fazer o quê contra mim? Não roubei, não fiz mal a ninguém, ando na rua de carro para trás e para a frente.”

Mas, no que toca a infidelidades, nem tudo se resume a descobrir relações extraconjugais. Em casos muito especiais, Mário Costa sabe da traição ainda antes de ser consumada. Confuso? O detetive explica: “Uma mulher com dinheiro e poder, farta de ser traída, que se quer vingar do marido, mas não pode largá-lo. Eu digo-lhe tudo o que deve fazer. Não pode usar o carro dela, nem ter consigo nada pessoal, leva é um carro atrás dela com os documentos, caso a polícia a mande parar. Chega à discoteca, quer divertir-se com um puto e eu vou lá avaliá-lo. Provoco-o se for necessário, até me faço de homossexual, ofereço-lhe dinheiro, para o testar. No hotel já está alugado um quarto família, eu tenho a chave que separa os quartos e dois homens comigo, caso o outro se porte mal com a minha cliente. O discurso dela já está previamente fabricado, está tudo trabalhado, tudo estudado”. Rocambolesco e digno do guião de qualquer policial, bem ao estilo de Hollywood. Mas os pedidos não ficam por aqui. 

‘Dinheiros’ e amores

“Ontem uma senhora ligou-me para ir a Aveiro, porque andam a borrifar-lhe as árvores de madrugada com um produto químico.” Receber toda a espécie de propostas insólitas são ossos do ofício – “Já me pediram para arranjar sémen, porque queriam engravidar dessa pessoa” – pelo que fazer uma boa triagem é a alma do negócio. “A esposa do taxista ou a senhora do shopping não são o meu tipo de cliente… O meu cliente é alguém que está numa guerra de dinheiros e não de amores.” 

O preço cobrado por este detetive não está definido a priori, os valores variam “em função do problema, da cara, do anel, do relógio do cliente”. O espião garante que dois serviços por ano são suficientes para viver confortavelmente e, sem nunca revelar nomes, deixa no ar que se tratam de pessoas muito conhecidas do mundo do futebol e da moda, confidenciando que se deslocam em carros blindados e que é natural fazerem-se acompanhar de sacos recheados de notas. 

E, por mais cliché que possa parecer, são na verdade as mulheres que mais confiam o seu desespero aos engenhos ‘detetivescos’. “Mulheres e homens frouxos. Os machões resolvem tudo sozinhos. Os mais doces e equilibrados, que amam de verdade, esses procuram-me.”

Detetive Cristina Ribeiro: “Tratam os detetives como bruxas”

 

Tinha apenas 16 anos quando começou a colaborar nas investigações do tio, detetive no Brasil, e é hoje está registada na ANIDEP (Associação Nacional dos Investigadores e Detetives Privados Profissionais). Cristina Ribeiro considera que é uma atividade muito incerta e que continua fortemente associada ao género masculino. “Acarreta despesas e um investimento contínuo, e tem uma imagem muito associada a detetives da literatura policial, tal como Sherlock Holmes. É isso que os clientes interiorizam e procuram.” 

 

Com um valor base de 50 euros por hora, garante que a procura é abundante e que, num mês, tanto pode ter dois ou três casos como dez. O último que resolveu dizia respeito à suposta infidelidade de uma mulher, cujo marido estava no Brasil, e que, segundo a detetive, “comprovou-se”. É justamente a traição que esta profissional mais gosta de investigar, sendo que um dos casos mais insólitos que teve em mãos foi o de um homem casado que queria controlar a amante, também ela casada. 

 

Cristina Ribeiro defende que os detetives privados deveriam ter um papel mais preponderante na nossa sociedade que, na sua opinião, procura esconder uma realidade que é bastante necessária. “Tratam os detetives como se fossem bruxas. Ninguém acredita nelas, mas que as há, isso há.”

“A sociedade é má para as mulheres”

Uma máquina fotográfica pendurada ao pescoço, bem ao estilo do turista ávido por captar tudo o que o rodeia, e uns óculos escuros são as ferramentas de trabalho de Mário Costa quando está no terreno. Não se tratam porém de uns banais óculos de sol, mas sim espelhados, que deixam ver o que se passa nas suas costas, já que a regra de ouro é nunca ser apanhado desprevenido. 

Por detrás da lupa dos detetives
D.R.

 

Precisa de um detetive? Eis o que deve saber:

 

1. Marque uma reunião no escritório do investigador e nunca em carros, cafés ou outros locais.

2. Certifique-se de que o profissional tem contacto fixo.

3. Questione-o quanto à elaboração de um contrato.

4. Exija que este lhe passe recibo.

5. Desconfie de honorários extremamente baixos ou elevados (o valor médio ronda os 40, 50 euros por hora).

6. Exija ver a identificação profissional do indivíduo e comprove a sua veracidade.

Mas como funciona uma investigação? “Hoje em dia não se investiga, escuta-se. Instruo o meu cliente a escutar, transformo os clientes em detetives.” O trabalho de investigação conta quase sempre com a preciosa ajuda dos informadores, as pessoas certas nos sítios certos, “pessoas subornadas”, uma vez que, neste mundo, o dinheiro quase tudo consegue comprar. “Uma senhora num cargo de grande poder comprou a secretária do marido, também ele poderoso, para que ela fosse a sua espia. Uma mulher com dinheiro é muito mais perigosa do que um homem. [risos]”

Ao longo de anos e anos a lidar com os dilemas do sexo oposto, o detetive conclui que trabalhar com mulheres nunca pode “ser feito a quente”, quando ainda predomina o lado emocional sobre a razão. Parte do seu trabalho, garante, passa por “adubar-lhes a mente, que anda muito ressequida”. “É preciso conhecê-las muitíssimo bem. As mulheres contam coisas ao detetive que não contam ao ginecologista.” 

Uma após outra escancaram o coração – e a carteira – ainda que isso implique revelar o seu lado negro e expor segredos embaraçosos. “A embaixadora que acreditou no empregadinho, a quem dava 1500 euros por mês, e ele nem sexo com ela tinha… Foi isso que a levou a desconfiar, sexo três ou quatro vezes em ano e meio! A pior coisa que pode acontecer a uma mulher é ser usada. É muito difícil ser mulher, a sociedade é má para as mulheres.”

“O detetive é uma nódoa”

Sem legislação que regulamente a atividade, apenas reconhecida pelas Finanças, e com dezenas de anúncios a pulular na Internet, optar por um detetive nem sempre é tarefa fácil e as burlas repetem-se um pouco por todo o país. Então, como escolher? “As pessoas têm de ser roubadas primeiro, para aprenderem. Quando ligam pela primeira vez para um detetive, e não fazem ideia de como as coisas funcionam, têm 99% de hipótese de serem enganadas. As pessoas confiam em tudo.” Mário Costa frisa que os sites de anúncios estão repletos de burlões e que esses falsos detetives fingem ser mais cegos do que toupeiras: “Nunca veem nada, porque no dia em que o fazem, o serviço acabou. Até podem ver o gajo agarrado à amante no carro, mas não dizem nada, para o cliente voltar”. 

A maior parte não passa recibo, não tem escritório, reúne com os clientes num qualquer café ou mesmo no carro. “Neste país, o detetive é tolerado. Nenhuma polícia gosta de detetives privados. Não têm formação específica, interferem em investigações policiais, têm a mania que são importantes e não ouvem conselhos nem instruções de outros… O detetive privado é uma nódoa. E difícil de tirar!” Para Mário Costa, que defende que as pessoas, na realidade, não precisam deste tipo de serviços para nada, o que faz um verdadeiro detetive é “a transparência, o trabalho e a preocupação com o cliente” e que não será a regulamentação da profissão a operar algum tipo de mudança. “Detetives em Portugal? Há vigaristas e ladrões. Praticamente não há mais nada.”

 

Paulo Perdigão
Paulo Perdigão (Presidente da 
Direção ANIDEP – Associação Nacional dos Investigadores e Detetives Privados Profissionais) – D.R.

Qual o contributo da ANIDEP para a legitimidade da profissão?

Temos como propósito promover a credibilidade e seriedade da profissão e alertar para a necessidade urgente de regulamentação da atividade, que acabaria de vez com a intrusão de oportunistas e pessoas mal intencionadas. Os membros associados da ANIDEP gozam de credibilidade e isenção, sendo uma garantia para quem os contrata.

Como reage perante a falta de regulamentação da atividade?

A falta de regulamentação limita e deturpa a barreira do que é ou não permitido fazer por parte dos detetives. Não havendo um controlo eficaz de quem exerce, o Estado está a contribuir para um crescente mercado paralelo, sem que haja pagamento de impostos. Enquanto um membro da ANIDEP é obrigado a coletar-se nas Finanças, os ‘paraquedistas’ que proliferam, vão ganhando uns ‘trocos’ nas horas vagas, a enganar pessoas com problemas sérios.

Qual a postura da Associação perante a abundante oferta de detetives na Internet?

A ANIDEP é peremptória em alertar para os perigos da contratação de pessoas que se dizem detetives privados mas que, na realidade, são pessoas que agem como as aranhas: deixam a vítima cair na sua teia para, posteriormente, as ‘devorarem’. Ao optarem por orçamentos baixos para a resolução dos seus problemas, as pessoas estão irremediavelmente sujeitas a serem enganadas e verem o seu dinheiro subtraído sem qualquer resultado obtido.

Há muita procura dos serviços de detetives?

Sim, inclusive por parte de colegas estrangeiros que pretendem averiguar situações várias. Ao contrário do que se pensa, não são só casos conjugais ou familiares. Existe uma procura crescente de serviços de investigação privada por parte de empresas de médio e grande porte.

 

FONTED.R.