Doença de Parkinson

A doença de Parkinson é uma patologia sem cura que afeta praticamente 1% da população mundial.

Na reportagem especial desta semana, vamos tentar perceber mais sobre esta doença pela voz de quem lida e tenta retardar ao máximo os efeitos desta condição.

Transcrição

O corpo humano é um dos fenómenos mais complexos e incríveis da natureza. É graças a ele que podemos interagir com o mundo através de diversas formas.
Pensamos, falamos, choramos, rimos e abraçamos um conjunto de emoções necessárias no nosso dia a dia, tudo isto ao mesmo tempo que o tentamos proteger.
Na nossa educação sempre ouvimos que devemos adotar um estilo de vida saudável de forma a prolongarmos a nossa saúde e a nossa estadia neste mundo. No entanto, há certas doenças que nos apanham desprevenidos e surgem sem qualquer tipo de cura.
E é desta forma que damos início a esta reportagem.

Os tremores são os sinais mais visíveis desta doença neurodegenerativa.
No entanto, esta patologia apresenta um extenso leque de sintomas.
A doença de Parkinson é uma doença extremamente complexa.
Há uma ideia que a doença de Parkinson é uma doença tipicamente motora, que causa tremor, lentidão do movimento, mas é muito mais do que isso.
Na verdade, aquilo que chama a atenção são de facto os sintomas motores, mas há um conjunto de sintomas não motores que muitas vezes têm mais impacto.
É uma doença progressiva, incurável, e cuja manifestação principal é de facto a lentidão motora.
Os doentes, no início, conseguem ter uma vida muito normal, muito ativa, mantêm as suas atividades, mas obviamente a doença vai agravando e torna-se cada vez mais complicado, tanto o tratamento, como tem muito impacto depois também em limitações no seu dia a dia.

Por se tratar de uma doença sem cura, os pacientes são obrigados a adaptarem-se a uma nova realidade, um novo capítulo que os coloca diariamente à prova.

Otília Coelho foi diagnosticada com Parkinson há 14 anos. Foi num dia normal de trabalho que percebeu que algo não estava bem.

“Eu trabalhava de pé, porque eu tinha um salão de cabeleireiro, trabalhava de pé, várias horas por dia.
E eu percebia-me que aqui a minha perna direita tremia, tremia muito e eu ficava assim parada, muito parada, ao enrolar os rolos, uma coisa que se fazia rápido e demorava muito mais tempo.
Acho que os clientes só vinham para a minha mão porque gostavam de mim já há muitos anos. E daí percebi que alguma coisa não estava bem.”

Entre os dias bons e maus, não deixa que esta doença impeça de lutar por uma vida normal.

“O Parkinson é uma dor… dá a sensação que há uma fita que nos aperta, aperta, aperta, aperta, os músculos todos atrofiados, uma dor horrível. Quando estou assim, eu danço com a esfregona, uma música clássica, finjo que estou ali numa valsa e não é que acabam os sintomas.”

Confessou-nos que não é pessoa de atirar a toalha ao chão, mas também não negou o quão difícil se pode tornar uma simples tarefa no meio da sua rotina.

“As pessoas não sabem os sintomas de Parkinson, que não se notam. Há uns que são visíveis e outros invisíveis, que são bastantes, nomeadamente a prisão de ventre, o dormir… não consigo dormir.
Os doentes de Parkinson dormem três horas por noite e, às vezes, nem isso.
A ‘pancadaria’ que eu dou o meu marido, é dormir, mas é pesadelos.”

Otília passa quase todos os dias na Associação Portuguesa de Doentes de Parkinson, um espaço que respira esperança, mas acima de tudo compreensão para com os pacientes.

“A associação de uma forma muito simples presta cuidados de informação, portanto, estamos muito na base de primeiro diagnóstico, o que é que as pessoas precisam saber. Depois, quando as pessoas chegam a nós, tentamos oferecer, nas várias ligações que temos, cuidados especializados de saúde, e depois muito ao nível da formação, e aqui a formação é uma formação direcionada aos doentes, aos cuidadores e depois aos profissionais de saúde.”

Os cuidados que um doente com Parkinson precisa vão muito além da medicação e é aqui que entra a Abel.
Com quase cinco décadas de união, o marido de Otília explica-nos o que mudou e o que nunca vai mudar.

– Temos de nos habituar a tudo. Ela já tem dificuldades em descascar, por exemplo, uma batata. Eu tenho de descascar. Tem dificuldades em estender a roupa, na corda, não é? Tenho que eu também estender e saber estender, não é? Porque não é qualquer maneira, não é? Tenho de aprender essas coisas, não é? Também.

– E fê-lo por amor?
– Por amor. É o principal. É o amor.

– Como é que classificaria o marido?
– O maridão é o maridão. É o maridão, é o maridão, é tudo, é tudo.
E ele trata-me muito bem, muito bem.
Eu também faço por isso, mas ele é demais.

– Os cuidadores têm um papel essencial nesta doença, porque, como dizia, é uma doença crónica e as doenças crónicas têm de ter uma característica… os doentes passam a ser profissionais da sua própria doença.
Sabem melhor, mas muitas vezes precisam do cuidador, quase sempre precisam do cuidador para os ajudar, ajudar no sentido de os levar às terapias, de ajudar a tomar a medicação.
E há outro papel do cuidador, que só consegue cuidar se estiver bem.

Em plena pandemia, Otília arriscou, como sempre, um tratamento que poderia atenuar os sintomas. Realizou uma estimulação cerebral profunda, mais conhecida como DBS, mas não correu como esperado.

“Também acontece o aumento da medicação. Daí eu já estar a tomar 18 compromissos por dia e terem proposto a colocação do dispositivo DBS, mas infelizmente correu muito mal.
Eu submeti-me a essa cirurgia e a coisa descambou completamente.
Um assistente teve um bocado de culpa, porque carregou o dispositivo que não entrava nos furos e provocaram-me um AVC.
Fiquei com a boca ao lado, fiquei mal.
Fiquei mal e a boca ao lado e a fala está muito apanhada.
Às vezes nem consigo falar nada.”

A frequência de efeitos adversos associados à estimação é extremamente baixa. Estamos a falar de uma percentagem muito baixa, 3%, 2%, 4% e, portanto, é uma percentagem baixa, mas quando acontece são eventualmente graves.
De facto, estamos a falar de acidentes vasculares, de infeções, mas a mensagem é que é raríssimo, mas pode acontecer sim.

Não podemos deixar de referir que os avanços na área da investigação têm-se verificado em vários tipos de tratamento que permitem uma desaceleração da evolução da doença.
No campus neurológico de Torres Vedras, por exemplo, melhora-se a mobilidade, a autonomia e o bem-estar dos pacientes que vivem com patologias incuráveis. É também aqui que este projeto mergulha na área da investigação.

“Temos vários ensaios clínicos a decorrer e, portanto, é sempre uma mais-valia para um doente nestas doenças que há algumas alturas em que, de facto, não temos muito mais a oferecer, e dá acesso, pode dar acesso aos doentes de fármacos que neste momento não estão disponíveis e que podem de facto ter um impacto também na própria progressão da doença dos medicamentos experimentais que os doentes podem ter acesso e acho que isso de facto é uma mais-valia.

A doença de Parkinson é uma patologia que afeta aproximadamente 1% da população mundial. Em Portugal estima-se que haja atualmente mais de 18 mil doentes.
Os sintomas aparecem com mais frequência, em pessoas com mais de 60 anos, mas ainda há quem receba o diagnóstico numa fase bem mais jovem.

Começou com um ligeiro tremor que terminou com o diagnóstico que já sabemos. Alexandre tinha apenas 37 anos, quando soube que a vida não iria voltar a ser igual.

– É sempre um choque e uma surpresa bastante grande.

– O que é que se pensa, no momento?
– Olha, o que eu pensei foi nos meus filhos, se iria conseguir acompanhar o crescimento deles e a infância, a adolescência, como é que iriam ser os próximos anos a breve médio prazo.

– Antes de chegar ao diagnóstico, quais eram os sintomas?
– Era um tremor muito ligeiro no dedo esquerdo, num dedo da mão esquerda, que aumentava quando eu tinha situações de stresse ou de nervosismo e a minha mulher insistiu para que eu fosse ver o que se passava e tentar perceber se havia alguma coisa, mas sempre de uma forma bastante relaxada e achámos sempre que seria uma compressão nervosa ou uma coisa mais simples.

Com o forte apoio da família resolveu combater a doença com a ajuda da medicação e do desporto. É aqui que praticamente todos os dias tenta retardar os efeitos da doença de Parkinson.

“O médico que me acompanha, já há praticamente 5 anos, disse-me que a melhor coisa que eu podia fazer era o desporto e na semana seguinte inscrevi-me num ginásio e até ao dia de hoje tenho praticado desporto numa base diária.
Isto é uma doença neurodegenerativa progressiva, sinto que há coisas que vão acontecendo, mas que se não fizesse desporto podia estar pior.”

Mas nem sempre é fácil encarar a doença de frente.

“É uma luta um bocadinho inglória, porque sabemos que estamos a combater uma coisa, mas que no fim vamos bater contra uma parede, como dizem os médicos, isto não é uma coisa boa.
Por muito que as pessoas tentem dizer que descobriram uma terapia ou que têm cuidados com a alimentação, que descansar mais, no fim da linha, isto é sempre uma coisa que não é boa.
Portanto, pode ser um fator de desmotivação e uma tentação baixar os braços, mas acho que para mim esse não é o caminho.” 

Otília e Alexandre são apenas dois casos entre milhares de doentes que lidam com a doença de Parkinson, mas ainda há uma outra história que merece ser contada nesta reportagem.
Uma lição que nos leva até à nossa RECORD.
Vamos agora mostrar-lhe a história de um jornalista, pai e amigo que viu a sua vida mudar de um dia para o outro.

– André, olá, tu que estás habituado a dar tantas notícias, como foi para ti receber uma informação deste tamanho?
– É uma porrada na cara, né? Se o mundo cai, fecha uma cortina do céu assim e você começa a questionar o que vai ser da sua vida daqui para a frente, né? Eu comecei a reparar que o meu pé arrastava, o pé esquerdo arrastava no chão, então eu andava na rua e eu ia fazer… o calcanhar arrastava. E eu reparava também que as pessoas no meio da rua, eu morava em Londres, era correspondente da RECORD, em Londres, e eu andava na rua e as pessoas passavam por mim, assim, sempre mais rápido, eu ia mais devagar, eu não entedia porquê.
Aí eu não sabia o que estava acontecendo, depois eu, no ginásio, eu ia correr depois de cinco quilómetros esse ombro subia aqui e travava, e fui indo achava que era alguma coisa física que ia passar, alguma lesão, não entendia direito o que era, fui empurrando com a barriga, aí quando fui cobrir a Copa de 2018 na Rússia, eu ia teclar e essa mão aqui quando eu ia teclar não mexia direito, então mexeu muito devagar, e aí acendeu o sinal de alerta, né?

– E porquê decidiste esconder a tua história?
– Sim, eu escondi três, quatro anos porque o nome Parkinson é muito forte, né? Tem um peso muito grande, quando se fala Parkinson as pessoas se assustam, então eu não queria… Não era o momento, mas aí os sintomas foram começando a ficar mais fortes
e eu tinha que gastar muita energia para esconder, né? E a energia que eu gastava para esconder era a energia que me faltava para me movimentar.

– És um enorme contador de histórias e decidiste contar a tua, porquê?
– Eu pensei: “Como vou quebrar o silêncio?”
Vou fazer a matéria para baixo, mostrando que eu sou um coitado.
Eu queria mostrar que vou lutar, que não vou parar de lutar até o fim, até chegar à cura.
Vou dormir e acordo pensando em como me vou curar.
E eu fiz o tratamento e fiz a reportagem, contei a minha história e o trabalho emocionou as pessoas, acho que eu não esperava tanto, porque desde então me param na rua e me agradecem por ser exemplo.
Muitas pessoas dizem que se inspiram na minha história porque, acima de tudo, eu sou lutador.

– Qual é o próximo passo?
– Fiz vários tratamentos, que me ajudaram, mas nada foi transformador.
O dos Estados Unidos foi transformador, mas durou um tempo e depois não funcionou mais.
Então agora, este mês, provavelmente no fim do mês, vou dar um passo bem agressivo e fazer uma cirurgia de DBS.
Algo que pode me dar aí mais alguns 11 anos de vídeo, de reportagem, porque é o que eu estou procurando para me manter ativo, me manter trabalhando.
Eu aceito a doença, eu tenho consciência que eu tenho a doença, mas eu não aceito a derrota. Eu quero vencer e vou vencer.

– E nós cá estaremos a torcer por ti. Obrigado, André, um forte abraço. 

As histórias de Otília e Alexandre juntam-se agora à de André Tal.
Três casos, entre muitos outros, onde a esperança ainda continua de pé.
Apesar de tantas dificuldades.
É certo que ainda não há uma cura, mas é igualmente correto dizer que, enquanto houver coragem e amor, não há nenhuma doença que seja capaz de travar a vontade de viver.

Fala Portugal – segunda a sexta, 19:15 (hora Lisboa/Londres)