Gente com bom interior: Contadora de histórias

Vamos até Pombal conhecer Ana Marreiros, que há 26 anos percorre as escolas do concelho com a biblioteca itinerante.

Na carrinha, leva livros que são uma janela para o mundo e que fazem sonhar os mais pequenos.

Fala Portugal – segunda a sexta, 19:15 (hora Lisboa/Londres)

Transcrição

A Biblioteca Itinerante já nasceu há mais de 50 anos. 

Comecei a vir com o mais antigo, que andava na carrinha Itinerante.
Comecei a ficar, a ficar, depois começamos por fazer animação. Fazia animação na Biblioteca e achamos por bem começar também a fazer animação na Biblioteca Itinerante. 

A animação do livro e da leitura, que é uma forma também de transmitir a eles outra forma de ver e de ler as histórias. 

Eu pego o livro, li 2, 3, 4, 5 vezes e retiro dali o que poderia dar às crianças de outra forma. Como fiz agora, aquilo surgiu também do nada.
Eu pensei, bom, vou arranjar uma personagem e da personagem, é a personagem que conta a história. Não sou eu, é a personagem. 

Só aí, o facto de eles ficarem a ver o que é que sai da mala, já é uma surpresa. E depois é as histórias que vêm da personagem e vamos querendo aqui e ali.

Logo de início eu pensava, bom, contei isto muito mal, eles não estão a gostar e então ficaram ali parados. E eu disse, mas a história, comecei a perceber-me que eles querem depois mais, mais e mais. Porquê?
Porque eles devem sentir a história como eu estou a sentir, só pode.
Porque eu vejo isso na carinha deles, ficam ali parados e mais uma e as pessoas não se levantam e fica assim um bocadinho sem jeito.
Pronto, mas é bom sentir isso e aquilo que eu gosto de fazer é transmitir também às crianças que lerem e ir ao pormenor do livro pode-se inventar mil-e-uma coisas com o livro.

Mas esta faixa etária aceita tudo de mãos abertas e de coração cheio e nós ficamos derretidas.

Quando nós chegamos com a carrinha, o empréstimo, é lucro não?
Os professores não dão conta deles na escola.

Somos sempre bem-vindos, eles adoram vir aqui.
Temos que os mandar embora.
Muitas vezes a professora vai-se chatear.
É melhor escolher e vamos contar até três.
Para eles conseguirem sair daqui da carrinha.
Porque eles gostam tanto de estar aqui.
Sobem aqui o escadote, vão lá em cima, vêm para baixo.
É uma forma também de saírem um bocadinho do contexto da sala.
E o quão é importante estarem aqui na biblioteca e fazer a requisição de livros, que muitos deles não têm acesso.

Quando é o primeiro ano, têm sempre vergonha, têm sempre aquela coisa, não sabem o que é que há de escolher. E nós vamos tentando dar a eles uma proposta de livro, porque eles não sabem bem o que é que adem escolher. E nós fazemos também esse papel de mediadores.
Depois chegam ao quarto ano, já estão tão à vontade que isto já é deles.

Eu acho que, cada vez mais, ainda por cima da banda desenhada, o Asterix e o Obelix têm muita saída, porque eles ouvem os pais: “olhe, eu lia… olhe, eu lia… uma aventura, eu lia o clube das chaves, eu lia isto, eu lia aquilo”, e eles, por vezes, chegam aqui e perguntam: “olhe, tem o livro das gêmeas, a minha mãe disse que lia, que gostava de ler, Uma Aventura e o Asterix”.
Eu acho que vai também muito pela educação em casa.

As histórias para bebés e eu, uma vez por mês, também faço na biblioteca, dos 0 aos 3 anos. E por aí temos de ter muita criatividade para os bebés.
Quando eu comecei na biblioteca inteira, tínhamos 44 escolas que íamos.
É aquelas escolas pequeninas, não se compara com aqui, era mesmo no monte, era mesmo fora dos grandes centros, aqui de Pombal, nas estas vilas.

Antigamente, eu penso, não tenho a certeza, que havia as crianças muito mais interessadas, viviam muito mais o livro, porque não tinham tanto acesso.
Agora os meios de comunicação, os computadores, os telemóveis fecham mais as crianças e eles vêm aqui a requisitar, os livros gostam muito, mas não vejo aquele grande interesse como antigamente os miúdos tinham, porque eles agora têm acesso a tudo.

Eu amo um trabalho que eu adoro fazer, gosto muito de fazer, o que eu retiro é das crianças o olhar delas que estão ali, parece que estão a sonhar no fundo, porque ao verem-me contar as histórias e eu dou tudo aquilo também que sinto, e gosto de transmitir o que estou a sentir do livre, faz com que eles também tenham um bocadinho a sonhar.