Pedro Fernandes - Share Magazine - Opinião
Pedro Fernandes

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Estas medidas sem precedentes aliadas a uma errada análise por parte dos responsáveis dos bancos centrais, que demoraram demasiado tempo a normalizar e a reduzir a liquidez que existia no mercado, levaram a um crescimento do consumo (entre outros aspetos), que por sua vez se veio a refletir no aumento geral dos preços dos bens. Por outras palavras, registou-se um aumento da inflação, que atingiu um novo máximo de várias décadas.

Ou seja, o BCE ‘deixou’ a inflação descontrolar-se e nesta fase só existe uma solução: subir as taxas de juro de forma agressiva e reduzir a liquidez que existe no mercado.

Mas se por um lado o combate à inflação é fundamental para melhorar o nível de vida das populações, por outro, também é preciso ter a noção de que o aumento agressivo que se tem registado nas taxas de juro irá asfixiar famílias, empresas e os próprios estados, com custos de financiamento demasiado elevados. No fundo, estamos a ser ‘obrigados’ a racionalizar as nossas decisões de consumo, dado que o aumento das prestações dos créditos irão retirar liquidez para as despesas do dia a dia.

Qual o impacto num orçamento familiar?

Tomando por exemplo, um crédito de 250 mil euros a 30 anos, com Euribor a seis meses, há um ano com taxas negativas e spread de 1%, a prestação rondaria os 745 euros. Com a subida dos juros, atualmente este valor deverá rondar os mil euros – são mais 255 euros (praticamente mais 35%). Já para o mesmo cenário, mas com um indexante de 12 meses a prestação passaria de 748 euros para 1054 euros – isto é mais de 306 euros de aumento na prestação, o que representa praticamente 40% de agravamento nas despesas de um agregado familiar.

Vamos agora ver o impacto na vida de uma família, tomando por exemplo um agregado com rendimentos de 2350 euros mensais. Diz-nos a regra que o endividamento não deverá exceder um terço do rendimento do agregado, ou seja, se o meu rendimento fosse de 10 euros, as minhas prestações ao banco nunca poderiam passar dos três euros. Contudo, para esta família que há um ano tinha uma prestação de 745 euros e uma taxa de esforço de 32% (perfeitamente aceitável), hoje, e dada a subida vertiginosa dos juros, a taxa de esforço já andaria nos 43%, o que já é preocupante. Já a mesma situação, mas com indexante a 12 meses a taxa de esforço passaria para 45%.

E este cenário poder-se-á tornar ainda mais dramático, com a intenção do BCE continuar a subir os juros no futuro próximo.

Como tentar minimizar os problemas?

Primeiramente, não espere para entrar em incumprimento. Faça uma análise à sua situação atual e uma simulação para o caso de as taxas subirem mais 1%, e neste sentido irá antecipar prováveis problemas.

De seguida, e se tem algumas poupanças, esta será a altura ideal para as utilizar, e poder abater algum valor da divida e, por conseguinte, ver a sua prestação reduzir, ou seja, compensa mais abater a dívida, do que deixar a poupança num depósito a prazo – isto porque a taxa de juro dos financiamentos é superior à taxa de juro que os bancos oferecem pelas suas poupanças.

Também não se esqueça de negociar… A passividade poderá levar o leitor a perder dinheiro e vir a enfrentar uma situação de grande dificuldade. Assim, reveja o spread contratado, os seguros associados ao crédito e tente renegociar os valores. Se ainda assim, a situação continuar delicada, poderá sempre tentar prolongar o tempo de amortização do empréstimo. É certo que irá pagar mais juros até ao final do prazo, mas como a dívida se irá diluir num maior espaço temporal, a prestação sofrerá uma redução.

No caso de existirem diversos financiamentos (cartão crédito, crédito automóvel, etc.) outro cenário possível é tentar fazer uma consolidação de todos os créditos e assim ficará apenas com uma única prestação, reduzindo a sua taxa de esforço.

Caso o seu banco não aceite renegociar, pode sempre tentar transferir o financiamento para outra instituição que ofereça melhores condições.

Por último, pode sempre tentar fixar a sua taxa, mas analise bem a situação, pois por norma a taxa fixa é sempre superior à taxa variável, o que se traduz numa prestação superior, e caso pretenda mais tarde amortizar o seu financiamento a comissão cobrada pelo banco também será muito superior.

O que esperar em 2023

Neste momento, a única certeza que existe é que as taxas de juros subiram num só ano para valores que não se verificavam há mais de 10 anos, um cenário impensável até para os mais pessimistas. Para o futuro resta-nos a incerteza… Incerteza, porque não sabemos como se irá comportar a inflação, porque não sabemos até onde irão subir as taxas de juro, porque não se sabe se as economias vão entrar em recessão e porque não sabemos até quando as empresas vão conseguir manter os postos de trabalho.

FONTE© Envato